O Batismo de Crianças nos Padres da Igreja e na História

O batismo de crianças é uma prática imemorial da Igreja, instituída pelos Apóstolos. Nesta ocasião, desejo estudar os testemunhos que a Igreja nos deixou ao longo da história a favor deste sacramento, no qual somos sepultados com Cristo em Sua morte, para que, assim como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, também nós vivamos uma vida nova. Tratarei também brevemente das heresias que, ao longo dos séculos, colocaram obstáculos para que as crianças fossem regeneradas pelo nascimento da água e do Espírito, e da sua evolução através da história.

O Batismo de Crianças nos Padres da Igreja nos Séculos I ao IV

Nos primeiros quatro séculos da era cristã, encontra-se completa unanimidade a este respeito (sendo Tertuliano praticamente a única exceção). Existem numerosos testemunhos dos Padres da Igreja que falam da importância do batismo de crianças. Houve quem optasse por adiá-lo, mas por motivos imorais, como o de não abandonar a vida pecaminosa e obter o perdão dos pecados justamente no momento da morte (algo bastante insensato, dado que ninguém sabe em que momento vai morrer ou se terá a oportunidade de se batizar), ou até mesmo para se livrar das penitências que teriam que fazer caso voltassem a pecar depois de batizados.

Ireneu de Lyon (130 – 202 d.C.)

Ireneu reflete a fé da Igreja primitiva, que professava que todo homem nasce na carne e, portanto, deve nascer da água e do Espírito, o que ele interpreta inequivocamente como o batismo, pelo qual se obtém também a remissão dos pecados.

“Não foi por acaso que Naamã, já idoso e doente de lepra, foi purificado ao ser batizado, mas para nos indicar que, como leprosos no pecado, somos purificados, por meio da água sagrada e da invocação do Senhor, das nossas transgressões, sendo espiritualmente regenerados como bebés recém-nascidos, mesmo quando o Senhor declarou: «Aquele que não nascer de novo através da água e do Espírito, não entrará no Reino dos Céus».”1[1]

Ao longo dos escritos deste e de outros Padres, pode-se observar que em nenhum momento restringem a graça e os dons de Deus a ninguém, sejam bebés, adolescentes ou adultos. No texto a seguir, embora não haja uma referência explícita ao batismo de infantes, encontramos a crença de que Deus pode derramar Sua graça e santificar a todos, independentemente de terem ou não idade para crer (rejeitando, com mais de um milénio de antecedência, os argumentos utilizados pelos anabaptistas).

Porque veio para salvar a todos: e digo a todos, isto é, a quantos por Ele renascem para Deus, sejam bebés, crianças, adolescentes, jovens ou adultos. Por isso quis passar por todas as idades: para se fazer bebé com os bebés, a fim de santificar os bebés; criança com as crianças, a fim de santificar os de sua idade, dando-lhes exemplo de piedade, e sendo para eles modelo de justiça e obediência; fez-se jovem com os jovens, para dar aos jovens exemplo e santificá-los para o Senhor.”2

Orígenes (185 – 254 d.C.)

O testemunho de Orígenes é de capital importância, não apenas porque, como outros Padres, ele explica por que é necessário batizar as crianças, mas também pelo seu testemunho explícito de que esta foi uma prática que a Igreja recebeu diretamente dos Apóstolos. Orígenes confirma antecipadamente, com sua escrita, o que a arqueologia viria a comprovar ao encontrar evidências de batismos de infantes por parte da Igreja primitiva.

A Igreja recebeu dos Apóstolos o costume de administrar o batismo até mesmo às crianças. Pois aqueles a quem foram confiados os segredos dos mistérios divinos sabiam muito bem que todos carregam a mancha do pecado original, que deve ser lavada pela água e pelo espírito.”3

Se as crianças são batizadas ‘para a remissão dos pecados’, cabe perguntar: de quais pecados se trata? Quando puderam elas pecar? Como se pode aceitar tal testemunho para o batismo de crianças, se não se admite que ‘ninguém está isento de pecado, ainda que sua vida na terra tenha durado apenas um dia’? As manchas do nascimento são apagadas pelo mistério do batismo. Batizam-se as crianças porque ‘se não se nascer da água e do espírito, é impossível entrar no Reino dos Céus.’”4

“Havia muitos leprosos em Israel nos dias do profeta Eliseu, mas nenhum deles foi curado, exceto Naamã, o sírio, que não pertencia ao povo de Israel. Considerem o grande número de leprosos que havia até aquele momento ‘em Israel segundo a carne’. Por outro lado, vejam o Eliseu espiritual, nosso Senhor e Salvador, que purifica no mistério batismal os homens cobertos pelas manchas da lepra e lhes dirige estas palavras: ‘Levanta-te, vai ao Jordão, lava-te, e tua carne ficará limpa’. Naamã se levantou, foi, e ao banhar-se, cumpriu-se o mistério do batismo: ‘sua carne ficou igual à carne de uma criança’. De qual criança? Daquele que ‘no banho da regeneração’ nasce em Cristo Jesus.”5

“Se gostas de ouvir o que outros santos disseram sobre o nascimento físico, escuta a David, quando diz: ‘Fui formado, assim reza o texto, na maldade, e minha mãe me concebeu em pecado’; ele demonstra que toda alma que nasce na carne carrega a mancha da iniquidade e do pecado. Esta é a razão daquela sentença que citamos acima: Ninguém está limpo de pecado, nem mesmo a criança que tem apenas um dia. A tudo isso pode-se acrescentar uma consideração sobre o motivo que leva a Igreja a manter o costume de batizar até mesmo as crianças, sendo que este sacramento da Igreja é para remissão dos pecados. Certamente, se não houvesse nas crianças nada que necessitasse de remissão e perdão, a graça do batismo pareceria desnecessária.”6

Hipólito de Roma (? – 235 d.C.)

Um testemunho de singular importância é encontrado na Tradición Apostólica, uma das mais antigas e importantes constituições eclesiásticas da antiguidade, escrita por volta do ano 215. Nela, encontramos instruções específicas sobre a administração do batismo, onde se menciona a prática de batizar crianças e como, em virtude da fé dos pais, elas podiam ser batizadas.

“Ao cantar do galo, começar-se-á a rezar sobre a água. Seja a água que flui na fonte ou que flui de cima. Será assim, a menos que haja uma necessidade. Mas, se houver uma necessidade permanente e urgente, utilizar-se-á a água que estiver disponível. Despir-se-ão, e as crianças serão batizadas em primeiro lugar. Todos os que puderem falar por si mesmos, falarão. Quanto aos que não puderem, seus pais falarão por eles, ou alguém da sua família. Em seguida, serão batizados os homens e, finalmente, as mulheres…

O bispo, ao impor as mãos, dirá a invocação: ‘Senhor Deus, que os fizeste dignos de obter a remissão dos pecados por meio do banho da regeneração, faze-os dignos de receber o Espírito Santo e envia sobre eles a tua graça, para que te sirvam seguindo a tua vontade; a ti a glória, Pai, Filho e Espírito Santo, na Santa Igreja, agora e pelos séculos, Amém.’”7

Cipriano de Cartago (200 – 258 d.C.)

Há evidências de que, durante sua vida, houve quem pretendesse adiar o batismo de crianças até depois do oitavo dia de nascimento, em semelhança à circuncisão. Por isso, Cipriano, em seu nome e no de 66 bispos, enviou uma carta a Fido, testemunhando a fé da Igreja de que o batismo de crianças não deve ser adiado e que os infantes podem ser batizados em qualquer momento. A carta completa está disponível na Web, tanto no volume V de Ante-Nicene Fathers de Schaff (protestante) quanto na New Advent Encyclopedia.

Mas, em relação ao caso das crianças, em que dizes que não devem ser batizadas no segundo ou terceiro dia após o nascimento, e que a antiga lei da circuncisão deve ser considerada, por isso pensas que alguém que acaba de nascer não deve ser batizado e santificado antes dos oito dias, todos nós pensamos de maneira muito diferente em nosso Concílio. Porque, nesse curso que pensavas seguir, ninguém concorda, mas todos julgamos que a misericórdia e a graça de Deus não devem ser negadas a nenhum nascido de mulher. Porque, como diz o Senhor no seu Evangelho: ‘O Filho do homem não veio para destruir a vida dos homens, mas para salvá-las’; na medida do possível, devemos procurar que, se possível, nenhuma alma se perca…

Por outro lado, a fé na Escritura divina nos declara que todos, sejam crianças ou adultos, têm a mesma igualdade nos dons divinos…

Por essa razão, cremos que ninguém deve ser impedido de obter a graça da lei, pela lei em que foi ordenado, e que a circuncisão espiritual não deve ser obstaculizada pela circuncisão carnal, mas que absolutamente todos os homens devem ser admitidos à graça de Cristo, pois também Pedro, nos Atos dos Apóstolos, fala e diz: ‘O Senhor me disse que eu não deveria chamar nenhum homem de comum ou impuro.’ Mas se nada pode obstaculizar a obtenção da graça para os homens, e nem os pecados mais atrozes podem impedir aqueles que são maiores. Mas se até os maiores pecadores, e os que pecaram contra Deus, quando crêem, recebem a remissão dos pecados, e ninguém é impedido de receber o batismo e a graça, quanto mais deveríamos impedir um bebê? Que, sendo recém-nascido, não pecou, exceto que, tendo nascido da carne de Adão, contraiu o contágio da antiga morte em seu nascimento?

E, portanto, querido irmão, essa foi a nossa opinião no Concílio, que por nós ninguém deve ser impedido de receber o batismo e a graça de Deus, que é misericordioso, amável e bondoso para com todos. Que, uma vez que isso é observado e mantido em relação a todos, parece-nos que deve ser respeitado ainda mais no caso dos lactentes…”8

É importante notar que aqui o que Fido e possivelmente outros presbíteros pretendiam fazer não era negar o batismo às crianças, como um grande setor do protestantismo faz hoje, mas simplesmente adiá-lo para depois do oitavo dia de nascimento.

Gregório de Nazianzo (329 – 390 d.C.)

Gregório de Nazianzo escreveu um belo sermão sobre o batismo, onde testemunha a fé da Igreja primitiva, sustentando que, embora para o adulto fosse necessária a fé para receber o sacramento, isso não se aplicava à criança (que o recebia em virtude da fé dos pais). Portanto, não havia desculpa alguma para postergar o batismo, nem mesmo no caso das crianças.

Batizemo-nos para vencer. Tomemos nossa parte dessas águas, mais detergentes que o hissopo, mais puras que o sangue das vítimas impostas pela Lei, mais sagradas que as cinzas da novilha, cuja aspersão poderia ser suficiente para dar às faltas comuns uma purificação corporal provisória, mas não uma remissão completa do pecado: teria sido necessário, sem isso, renovar a purificação daqueles que a haviam recebido uma vez?

Batizemo-nos hoje, para não sermos obrigados a fazê-lo amanhã. Não retardemos o benefício como se nos causasse algum problema. Não esperemos ter pecado mais para, por meio dele, sermos perdoados em maior medida. Isso seria fazer uma indigna especulação comercial a propósito de Cristo. Tomar uma carga maior do que podemos suportar é correr o risco de perder, em um naufrágio, navio, corpo e bens, ou seja, todo o fruto da graça que não soubemos aproveitar…

17… Mesmo as crianças: não deixem tempo para que a malícia se apodere delas, santifiquem-nas enquanto ainda são inocentes, consagrem-nas ao Espírito enquanto ainda não têm dentes. Que pusilanimidade e que falta de fé das mães que temem o caráter batismal por causa da fraqueza da sua natureza! Antes de ter trazido Samuel ao mundo, Ana dedicou-o a Deus, e, imediatamente após o nascimento, o consagrou; desde então, ele foi vestido com um hábito sacerdotal sem nenhum temor dos homens, por causa de sua confiança em Deus.

Não há necessidade, portanto, de amuletos nem encantamentos, meios que o maligno usa para se insinuar nas almas mais frágeis e aproveitar-se do temor religioso a Deus: oponham-lhe a Trindade, grande e belo talismã…”9

Gregório Nacianceno recomenda, como opinião pessoal, que se as crianças não estiverem em perigo de morrer, é preferível esperar até que completem três anos, com a finalidade de que possam recitar someramente os mistérios da fé, embora destaque que isso não é um requisito para receber o sacramento:

“Tudo isso está bem dito para aqueles que solicitam por si mesmos o batismo, mas o que podemos dizer das crianças, ainda muito pequenas, que são incapazes de perceber o perigo em que estão e a graça do sacramento? Devem ser batizadas também?

Certamente, em caso de perigo imediato, é melhor batizá-las sem o seu consentimento do que deixá-las morrer sem ter recebido o selo da iniciação. Somos obrigados a dizer o mesmo que em relação à prática da circuncisão, que se realizava no oitavo dia prefigurando o batismo e que também era exercida sobre crianças desprovidas de razão. Da mesma forma, a unção era realizada sobre os batentes das portas, e mesmo quando se tratava de coisas inanimadas, protegia os primogênitos.

Quanto às outras crianças, eis a minha opinião: esperem até que cheguem à idade de três anos, para que sejam capazes de compreender e expressar someramente os mistérios; apesar da imperfeição de sua inteligência, recebem o sinal, e seu corpo, assim como sua alma, se encontram santificados pelo grande sacramento da iniciação. Eles deverão prestar contas de seus atos no momento preciso em que, em plena posse da razão, chegarem ao conhecimento completo do Mistério, pois não serão responsáveis pelas faltas que a ignorância própria de sua idade lhes fizer cometer. Além disso, de qualquer forma, é vantajoso para eles possuir a muralha do batismo para se proteger dos perigosos ataques que caem sobre nós e superam nossas forças.

Mas, dirão, Cristo, que é Deus, foi batizado aos trinta anos, e tu nos empurras a precipitar-nos ao batismo. Afirmar dessa maneira sua divindade é o que resolve a objeção. Ele, a pureza em si, não precisava de purificação, mas fez-se purificar por vós, assim como por vós fez-se carne, pois Deus não tem corpo. Além disso, ele não corria nenhum perigo por adiar seu batismo, pois podia regular à vontade seu sofrimento, assim como regulou seu nascimento. Para vós, ao contrário, não seria pequeno o perigo, caso abandonásseis o mundo sem ter recebido, no vosso nascimento, mais do que uma vida perecível, sem estar revestidos de incorruptibilidade.”10

Juan Crisóstomo (347 – 407 d.C.)

“¡Deus seja louvado! Ele, que realiza tais maravilhas. Vês quão múltipla é a graça do batismo? Alguns veem nela apenas a remissão dos pecados, enquanto nós podemos enumerar dez dons de honra. Por essa razão, batizamos também as crianças pequenas, quando ainda não começaram a pecar, para que recebam a santidade, a justiça, a filiação, a herança, a fraternidade de Cristo, para que se tornem membros e morada do Espírito Santo.”11

Basílio o Grande (330 – 379 d.C.)

“Há um tempo conveniente para cada coisa: um tempo para o sono e outro para a vigília, um tempo para a guerra e um tempo para a paz. No entanto, o tempo do batismo abrange toda a vida do homem. Se não é possível ao corpo viver sem respirar, muito menos será para a alma subsistir sem conhecer o seu Criador.

A ignorância de Deus é a morte da alma. Aquele que não foi batizado também não foi iluminado. Assim como sem luz a visão não pode examinar aquilo que lhe interessa, do mesmo modo, a alma não pode contemplar a Deus. Além disso, todo tempo é favorável para alcançar a salvação por meio do batismo, seja de noite ou de dia, numa hora ou num menor espaço de tempo, por muito breve que seja. Seguramente, a data que se aproxima é, em maior medida, a mais adequada. Que época poderia ser, de fato, mais apropriada para o batismo do que o dia de Páscoa? Pois esse dia comemora a ressurreição, e o batismo é uma fonte de energia para alcançar a ressurreição.

Por essa razão, a Igreja convoca há muito tempo seus ‘recém-nascidos’, em uma sublime proclamação, a fim de que aqueles a quem ela deu à luz na dor, colocando-os no mundo depois de alimentá-los com o leite do ensinamento catequético, provem o alimento sólido dos seus dogmas.”12

O Pelagianismo, primeira heresia a rejeitar o batismo de crianças

Foi no século V que surgiu a primeira heresia a negar a necessidade do batismo, incluindo o batismo de infantes; seu autor foi Pelágio, um monge influenciado por doutrinas pagãs (especialmente do estoicismo). Ele minimizava a eficácia da graça e considerava que a vontade, com seu livre-arbítrio, poderia alcançar sozinha a santidade. Para os pelagianos, não existia o pecado original; eles pensavam que Adão não foi criado imortal, de modo que teria morrido mesmo sem ter pecado, e que as crianças se encontravam no mesmo estado de Adão antes de sua queda, não contraindo, portanto, nenhum pecado original. Ao negar o pecado original, viam, como consequência, o batismo de crianças como desnecessário.

Após se tornar monge, Pelágio viajou para Roma antes do ano 400. Depois que Roma foi conquistada e saqueada pelos godos, ele partiu para Cartago e depois para Jerusalém, acompanhado por Celéstio, outro partidário do pelagianismo, que o ajudou a propagar suas doutrinas de forma eficiente.

Dezoito bispos, incluindo Juliano de Eclana, aderiram ao pelagianismo, enquanto Santo Agostinho combateu a heresia tenazmente. Os bispos pelagianos foram privados de suas sedes e condenados pelos concílios africanos de Cartago e Milevis (anos 411, 412 e 416), que sentenciaram:

“Igualmente agradou que quem quer que negue que as crianças recém-nascidas do ventre de suas mães devam ser batizadas, ou diga que, de fato, são batizadas para remissão dos pecados, mas que de Adão nada trazem do pecado original que deva ser expiado pela lavagem da regeneração; de onde consequentemente se segue que, nelas, a fórmula do batismo ‘para a remissão dos pecados’ deve ser entendida não como verdadeira, mas falsa, seja anátema. Porque o que diz o Apóstolo: Por um só homem entrou o pecado no mundo e pelo pecado a morte, e assim a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram [cf. Rom. 5, 12], não deve ser entendido de outro modo senão como sempre foi entendido pela Igreja Católica difundida pelo mundo. Pois por essa regra de fé, até mesmo as crianças pequenas, que ainda não puderam cometer nenhum pecado por si mesmas, são verdadeiramente batizadas para a remissão dos pecados, a fim de que, pela regeneração, se limpe nelas o que por geração contraíram.”13

No entanto, os pelagianos recusaram-se a submeter-se aos concílios. Os participantes dos concílios escreveram ao Papa para que aprovasse as decisões desses concílios locais, o que o Papa Inocêncio I fez. Santo Agostinho, com a sentença da Sé Apostólica (Roma), deu o caso por encerrado; no entanto, após a morte do Papa Inocêncio, Celéstio fez ao Papa Zósimo uma confissão de fé que quase o confundiu, mas este confirmou as sentenças de seu predecessor. Posteriormente, o Concílio de Éfeso, em 431, voltou a condenar o pelagianismo, que tentava se propagar agora pela Inglaterra.

Agostinho de Hipona (354 – 430 d.C.)

Graças ao seu combate vigoroso contra o pelagianismo, são abundantes os textos em que ele aprofunda a necessidade de batizar infantes para purificá-los do pecado original.

“O batismo dos pequeninos de pais cristãos.

Por causa desta concupiscência, nem sequer do matrimônio justo e legítimo de filhos de Deus nascem filhos de Deus. Porque aqueles que geram, ainda que já tenham sido regenerados, não geram como filhos de Deus, mas como filhos do século. De fato, tal é a sentença do Senhor: «Os filhos deste século geram e são gerados». Enquanto ainda somos filhos deste século, o nosso homem interior se corrompe. Por esta razão, eles são gerados também como filhos deste mundo, e não serão filhos de Deus se não forem regenerados. Mas, enquanto somos filhos de Deus, o homem interior se renova de dia em dia, e também o homem exterior, pelo banho de regeneração, é santificado e recebe a esperança da futura incorrupção, por isso com toda a razão é chamado de templo de Deus…”14

Todo aquele que nega que as crianças são arrancadas, ao serem batizadas, deste poder das trevas, do qual o diabo é o príncipe, ou seja, do poder do diabo e de seus anjos, é refutado pela verdade dos próprios sacramentos da Igreja. Nenhuma novidade herética pode mudar ou destruir algo na Igreja de Cristo, já que a cabeça dirige e ajuda todo o seu corpo, tanto aos pequenos como aos grandes.”15

“De fato, desde que foi instituída a circuncisão, no povo de Deus, que era então o sinal da justificação pela fé, ela tinha valor para significar a purificação do pecado original antigo também para os pequeninos, do mesmo modo que o batismo começou a ter valor também para a renovação do homem desde o momento em que foi instituído. Não que antes da circuncisão não houvesse justiça alguma pela fé — porque o próprio Abraão, pai das nações que deveriam seguir sua mesma fé, foi justificado pela fé quando ainda era incircunciso —, mas que o sacramento da justificação pela fé estava oculto de todo nos tempos mais antigos. No entanto, a mesma fé no Mediador salvava os antigos justos, pequenos e grandes.”16

A Reforma Protestante e o Movimento Anabatista

Séculos depois, dentro da própria Reforma Protestante, no entorno imediato do reformador Ulrico Zuinglio, surgiria outro movimento contrário ao batismo de crianças. Os partidários desse movimento foram denominados anabatistas (ou batistas).

O nascimento desse movimento remonta-se ao ano de 1523, quando a Reforma chegou a Zurique. Não demorou muito para que surgissem divisões dentro do protestantismo. Vários grupos de protestantes, anteriormente colaboradores de Zuinglio, separaram-se para formar uma comunidade independente da tutela da autoridade civil. Entre esses estavam Conrado Grebel (1498-1526), Félix Mantz (1500-1527) e vários outros. Começaram a desenvolver a ideia de que apenas aqueles que acreditam corretamente e têm uma conduta reta são membros da Igreja, de modo que, segundo a sua opinião, o batismo de crianças não poderia ser sequer considerado como tal, sendo, portanto, inválido. Os anabatistas começaram então a se rebatizar, rejeitando a validade do seu primeiro batismo e alegando que somente aqueles que pudessem expressar conscientemente sua fé em Cristo poderiam ser batizados.

Em 1524, Grebel recusou que seu novo filho fosse batizado, o que causou um conflito com o conselho de Zurique. Em janeiro de 1525, o conselho determinou que seria expulso da cidade quem, no prazo de oito dias, não batizasse seu filho. Pregações foram proibidas a Grebel e Mantz17; no entanto, dado que o protestantismo havia rejeitado a autoridade da Igreja em favor da livre interpretação da Bíblia, esse novo movimento não tinha por que se submeter às novas autoridades.

É nesse contexto que surgiram as inquisições protestantes. Apesar de terem recorrido à tortura e de, em 7 de março de 1526, ter sido decretada a pena de morte para quem realizasse um segundo batismo, foi impossível conter os anabatistas (o mesmo aconteceria com cada nova denominação protestante). Começaram, então, as execuções de anabatistas, entre as mais notórias as de Félix Mantz (por afogamento), Jorg Blaurock e Miguel Sattler (queimados vivos). As vítimas continuaram, mas o anabatismo se propagou, chegando até a Alemanha, a terra de Lutero, e aos países reformados, onde a palavra de Calvino era lei.

Proibidos tanto em regiões católicas quanto protestantes, surgiram diferentes grupos anabatistas (menonitas, huteritas), alguns pacíficos, outros nem tanto. Um dos líderes desses grupos violentos anabatistas foi Tomás Müntzer, que, depois de ter sido seguidor de Lutero, tornou-se seu ferrenho inimigo. Liderou grupos de camponeses que, embora tivessem começado fazendo reivindicações justas e buscado o apoio moral de Lutero, acabaram tomando o caminho da violência quando este lhes virou as costas. Foi então que Lutero escreveu “Contra as Quadrilhas de Bandidos e Assassinos de Camponeses”18, onde exorta os príncipes a realizarem uma matança de camponeses, tanto em público quanto em privado, o que culminou em um grotesco massacre.

Com o passar do tempo, a tendência anabatista foi penetrando em diferentes denominações protestantes, influenciando com seus argumentos sobre o batismo até mesmo denominações não anabatistas (pentecostais, metodistas), mas, ao mesmo tempo, sendo rejeitada por outras (calvinistas, luteranos, reformados).

Entre algumas confissões protestantes que rejeitaram as doutrinas anabatistas estão:

“Ensinamos que o batismo é necessário para a salvação e que, por meio dele, nos é dada a graça divina. Ensinamos também que as crianças devem ser batizadas e que, por este batismo, são oferecidas a Deus e recebem a graça de Deus. É por isso que condenamos os Anabatistas, que rejeitam o batismo das crianças.”19

Não devem ser batizados apenas aqueles que de fato professam fé em Cristo e obediência a Ele, mas também os filhos de um ou de ambos os pais crentes.”20

“Pergunta: Devem também ser batizadas as crianças?

Resposta: Naturalmente, porque estão incluídas, como os adultos, na aliança, e pertencem à igreja de Deus. Tanto a estes como aos adultos se promete, pelo sangue de Cristo, a remissão dos pecados e o Espírito Santo, que opera a fé; por isso, e como sinal dessa aliança, devem ser incorporados à Igreja de Deus e diferenciados dos filhos dos infiéis, assim como acontecia na aliança do Antigo Testamento pela circuncisão, cujo substituto é o Batismo no Novo.”21

Nos opomos aos Anabatistas, que não aceitam o batismo infantil dos filhos dos crentes. Mas, segundo o Evangelho, ‘o reino de Deus pertence às crianças’, e estas estão incluídas na aliança de Deus.

Por que, então, não devem receber o sinal da aliança de Deus? Por que não devem ser consagradas pelo santo batismo, tendo em conta que já pertencem à Igreja e são propriedade de Deus e da Igreja?”22[23]

“Por essa razão, acreditamos que quem deseja entrar na vida eterna deve ser batizado uma vez com o único Batismo, sem jamais repeti-lo; pois também não podemos nascer duas vezes. Mas este Batismo é útil não apenas enquanto a água está sobre nós, mas também por todo o tempo da nossa vida. Portanto, reprovamos o erro dos Anabatistas, que não se conformam com um único batismo que uma vez receberam; e que, além disso, condenam o batismo das crianças dos crentes; aos quais acreditamos que se deve batizar e selar com o sinal da aliança, assim como as crianças em Israel eram circuncidadas nas mesmas promessas que foram feitas aos nossos filhos. E, certamente, Cristo derramou o seu sangue não menos para lavar as crianças dos crentes do que o fez pelos adultos. Por isso, devem receber o sinal e o Sacramento daquilo que Cristo fez por eles; conforme o Senhor na Lei mandou participar-lhes o Sacramento do sofrimento e da morte de Cristo, pouco depois de terem nascido, sacrificando por eles um cordeiro, o que era um sinal de Jesus Cristo. Por outro lado, o Batismo significa para nossos filhos o mesmo que a Circuncisão significava para o povo judeu; o que faz com que São Paulo chame o Batismo de ‘a circuncisão de Cristo’.”23

Os anglicanos também rejeitaram o anabatismo:

“Do Batismo. O Batismo não é apenas um sinal de profissão e uma nota de distinção, pela qual os Cristãos são identificados dos não batizados; mas também é um sinal de Regeneração ou Renascimento, pelo qual, como por instrumento, aqueles que recebem corretamente o Batismo são enxertados na Igreja; as promessas da remissão dos pecados e da nossa Adoção como Filhos de Deus pelo Espírito Santo são visivelmente sinalizadas e seladas; a Fé é confirmada e a Graça, por virtude da oração a Deus, aumentada. O Batismo das crianças, como mais conforme à instituição de Cristo, deve ser inteiramente preservado na Igreja.”24

João Calvino, em sua obra Instituição da Religião Cristã, dedica uma seção a refutar o anabatismo.25

Notas de rodapé

  1. Ireneo de Lyon, Fragmento 34
    New Advent Encyclopedia, disponível em [http://www.newadvent.org/fathers/0134.htm]
  2. Ireneo de Lyon, Contra as heresias 2, 22,4
    Carlos Ignacio González, S.J., Ireneo de Lyon, Contra los herejes, Conferencia del Episcopado Mexicano, México 2000.
  3. Orígenes, In Rom. Com. 5,9: EH 249
    Johannes Quasten, Patrología I, Biblioteca de Autores Cristianos 206, Quinta Edição, Madrid 1995, p. 395.
  4. Orígenes, In Luc. hom. 14, 1.5
    Enrique Contreras, El Bautismo, Selección de textos patrísticos, Editorial Patria Grande, Segunda Reimpressão, Buenos Aires 2005, p. 41.
  5. Orígenes, In Luc. hom. 33, 5
    Ibid., p. 43.
  6. Orígenes, In Lev. Hom. 8,3
    Johannes Quasten, Patrología I, Biblioteca de Autores Cristianos 206, Quinta Edição, Madrid 1995, p. 394.
  7. Hipólito, Tradición apostólica 20,21
    Enrique Contreras, El Bautismo, Selección de textos patrísticos, Editorial Patria Grande, Segunda Reimpressão, Buenos Aires 2005, pp. 45,47.
  8. Cipriano de Cartago, A Fido sobre o batismo de infantes, Carta 58
    New Advent Encyclopedia, disponível em http://www.newadvent.org/fathers/050658.htm
  9. Gregório Nacianceno, Sermón 40,11-17 (sobre o santo batismo)
    Carlos Etchevarne, El bautismo según los padres griegos, Adaptación Pedagógica: Bach. Teol., pp. 14, 16-17
    New Advent Encyclopedia, disponível em [http://www.newadvent.org/fathers/310240.htm]
  10. Gregório Nacianceno, Sermón 40,26-27 (sobre o santo batismo)
    Carlos Etchevarne, El bautismo según los padres griegos, Adaptación Pedagógica: Bach. Teol., pp. 22-23
    New Advent Encyclopedia, disponível em http://www.newadvent.org/fathers/310240.htm
  11. Juan Crisóstomo, Sermón a los neófitos, 1
    Carlos Etchevarne, El bautismo según los padres griegos, Adaptación Pedagógica: Bach. Teol., p. 57
  12. Basílio o Grande, Protríptico del Santo Bautismo, 1
    Ibid., p. 4
  13. II Concílio de Milevis, 416 e XVI Concílio de Cartago, 418, aprovados pelos papas São Inocêncio I e São Zósimo, do Pecado Original e da graça, cânon 2
    Daniel Ruiz Bueno, Denzinger, El Magisterio de la Iglesia, Manual de Símbolos, Definiciones y Declaraciones de la Iglesia en materia de fe y costumbres, Editorial Herder 1963, D-102.
  14. Agostinho de Hipona, El Matrimonio y la concupiscencia, Livro I, XVIII, 20
    Obras completas de San Agustín, Tomo XXXV, Biblioteca de Autores Cristianos 457, Madrid 1984, pp. 272-273
  15. Agostinho de Hipona, El Matrimonio y la concupiscencia, Livro I, XX, 22
    Ibid., p. 276
  16. Agostinho de Hipona, El Matrimonio y la concupiscencia, Livro II, XI, 24
    Ibid., p. 332
  17. Para uma história mais detalhada do movimento anabatista, pode consultar: Hubert Jedin, Manual de Historia de la Iglesia, Tomo V, Editorial Herder.
  18. Martin Luther, Augewaehlte Werke, Tomo V, editado por H. H. Borcherdt e Georg Merz, Munich, Chr. Kaiser Verlag, 1962.
    Uma tradução em espanhol pode ser encontrada na Internet em http://www.inep.org/content/view/1739/99.
  19. Confissão de Augsburgo 1530, Artigo 9 (Igrejas Luteranas)
  20. Confissão de Westminster 28.IV (Igrejas Reformadas)
  21. Catecismo de Heidelberg, pergunta 74 (Igrejas Reformadas)
  22. Confissão Helvética (Antiga confissão protestante de 1566)
  23. Confissão Reformada dos Países Baixos e de várias igrejas reformadas atuais, ano 1619, Artigo 34
    Biblioteca de la Iglesia Reformada, disponível em http://www.iglesiareformada.com/Confesion_Belgica.html
  24. Los 39 Artículos de la religión (Confissão doutrinal histórica da Igreja Anglicana), Capítulo 27
    Disponível em: http://www.iglesiareformada.com/39_Articulos.html
  25. Está disponível na Biblioteca de la Iglesia Reformada em:
    http://www.iglesiareformada.com/Calvino_Institucion_4_16.html
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