A Comunhão dos Santos na Bíblia

Um dos dogmas de fé da Igreja Católica é a comunhão dos Santos. Cremos que a Igreja é o corpo místico de Cristo e é composta pela Igreja triunfante, a Igreja padecente e a Igreja militante.

A Igreja triunfante é composta por todos aqueles que já morreram, se salvaram e, completamente purificados, estão em plena comunhão com Deus. A Igreja padecente é composta por todos aqueles que, embora já tenham morrido, estão salvos e destinados ao céu, mas ainda não estão completamente purificados. E a Igreja militante somos todos nós que estamos vivos, servindo ao nosso Senhor aqui na terra.

O Catecismo nos diz:

954 “Os três estados da Igreja. “Até que o Senhor venha em sua glória com todos os seus anjos e, destruída a morte, tenha tudo submetido a Ele, seus discípulos, alguns peregrinam na terra; outros, já falecidos, purificam-se; enquanto outros estão glorificados, contemplando claramente a Deus mesmo, um e trino, tal como Ele é.”

A intercessão dos Santos

Acreditamos que aqueles que pertencem à Igreja triunfante podem interceder por nós junto a Deus, para que nos conceda o seu auxílio oportuno e nos ajude no nosso caminho para Ele. Os anjos, que também estão em comunhão com Deus e contemplam constantemente o seu rosto, também podem interceder por nós. O Catecismo, a este respeito, nos diz:

957 “Pelo facto de que os do céu estão mais intimamente unidos com Cristo, consolidam mais firmemente toda a Igreja na santidade… não cessam de interceder por nós junto do Pai. Apresentam, através do único Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, os méritos que adquiriram na terra… A sua solicitude fraterna ajuda muito, portanto, à nossa fraqueza.”

É frequente encontrar, diante desta doutrina, uma forte oposição por parte dos protestantes: “Os católicos adoram a Virgem e os santos”, objetam frequentemente, e afirmam que não se deve pedir intercessão a eles perante Deus. Os seus argumentos são os seguintes:

Argumentos protestantes para negar a intercessão dos Santos

Argumento 1: É pecado de idolatria pedir a alguém que não seja Cristo que interceda por nós, uma vez que Ele é o único mediador entre Deus Pai e os homens. Esta afirmação baseia-se no que diz a Escritura:

“Porque há um só Deus, e também um só mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem também.” (1 Timóteo 2,5)

O pecado de idolatria implica dar a algo ou a alguém o lugar de Deus, sem que este o seja. Ao compreender isto, este argumento começa já com o pé esquerdo. Como poderia ser possível dar aos santos o lugar de Deus ao pedir-lhes que intercedam por nós perante Ele?

Se a objeção está orientada a afirmar que damos aos santos o lugar de Cristo como mediador entre Deus e os homens (baseando-se na citação bíblica anterior), o argumento também falha. Daí a importância de abordar a definição de mediador, que etimologicamente provém do latim mediator, de mediare, colocar-se ou dividir-se no meio. Uma definição simples seria:

Mediador: “Interceder ou rogar por alguém. Interpor-se entre dois ou mais que estão em conflito, procurando reconciliá-los e uni-los em amizade. Existir ou estar uma coisa no meio de outras.”

O termo em si não apresenta grande dificuldade e é geralmente compreendido à primeira vista: “mediador” é aquele que está entre duas ou mais pessoas, oferecendo a sua pessoa para servir de ponte entre elas, especialmente se estão em conflito.

O texto em questão enfatiza que Cristo é mediador, pois Ele pagou a dívida que o ofensor (nós) tinha com o ofendido (Deus). Dessa forma, só Cristo pode mediar por nós, porque Ele, sendo Deus e Homem verdadeiro, morreu para pagar os nossos pecados e ninguém mais. Nesse sentido, mais ninguém, nem a Virgem, nem os Santos, nem os anjos podem mediar.

Mas interceder suplicando ao ofendido (Deus) que perdoe o ofensor (nós), e rogar ao Todo-Poderoso que envie ajudas especiais ao necessitado; nesta segunda forma de mediação, a Virgem, os Santos e até nós podemos ser mediadores, porque todos somos membros do corpo de Cristo que é a Igreja.

Na Bíblia podemos encontrar vários exemplos. Quando Deus se irritou com quatro homens que tinham atribuído ao Patriarca Job algo que ele não tinha feito, disse-lhes:

“Tomai, pois, sete novilhos e sete carneiros, ide ter com o meu servo Job, e oferecei por vós um holocausto. O meu servo Job intercederá por vós, e, em atenção a ele, não vos castigarei por não terdes falado a verdade a meu respeito, como fez o meu servo Job.” (Job 42,8)

Neste caso, Job aparece como intercessor entre os homens e Deus, mas não para pagar as dívidas que tinham com o Senhor, mas para rogar em favor deles. E o Senhor atendeu ao seu pedido e perdoou-os.

Moisés também foi intercessor do povo de Deus:

“Perdoa, pois, a iniquidade deste povo conforme a grandeza da tua bondade, como tens suportado este povo desde o Egito até aqui.” Disse Yahveh: “Perdoo, conforme as tuas palavras.” (Números 14,19)

“O povo foi dizer a Moisés: «Pecámos por ter falado contra Yahveh e contra ti. Intercede junto de Yahveh para que afaste de nós as serpentes.» Moisés intercedeu pelo povo.” (Números 21,7)

“Deixa-me agora, que se acenda a minha ira contra eles e os devore; de ti, ao contrário, farei um grande povo.» Mas Moisés procurou aplacar Yahveh, seu Deus, dizendo: «Por que, ó Yahveh, há de acender-se a tua ira contra o teu povo, que tu tiraste da terra do Egito com grande poder e mão forte?»” (Êxodo 32,10-11)

Aqui, mais uma vez, vemos Moisés como intercessor, não pagando pelos pecados dos outros (isso só pôde e fez Jesus Cristo), mas rogando em favor deles.

Abraão intercedeu por Sodoma e Gomorra:

“Disse então Yahveh: «O clamor de Sodoma e Gomorra é grande, e o seu pecado gravíssimo. Vou descer para ver se o que fizeram corresponde em tudo ao clamor que chegou até mim; e se não, sabê-lo-ei». Abraão aproximou-se e disse: «Vais realmente destruir o justo com o ímpio? Talvez haja cinquenta justos na cidade. Vais destruí-los e não perdoarás àquele lugar por causa dos cinquenta justos que lá estão?” (Génesis 18,20-21.23-24)

O único mediador que paga a dívida é Cristo, mas intercessores podem ser a Santíssima Virgem Maria, os santos e nós próprios, rogando em favor dos outros.

Inclusive vemos também como os próprios anjos intercedem com as suas petições por nós:

“Tomou a palavra o anjo de Yahveh e disse: «Ó Yahveh Sebaot, até quando continuarás sem te apiedares de Jerusalém e das cidades de Judá, contra as quais estás irritado há setenta anos?» Yahveh respondeu ao anjo que falava comigo com palavras boas, palavras de consolo.” (Zacarias 1,12-13)

Um exemplo deste tipo de intercessão poderosa baseada no pedido vemos no Novo Testamento, no episódio das bodas de Caná:

“Jesus e os seus discípulos foram também convidados para o casamento. Como viesse a faltar o vinho, a mãe de Jesus disse-lhe: «Não têm vinho.» Jesus respondeu-lhe: «Mulher, que há entre mim e ti? Ainda não chegou a minha hora.» Disse então sua mãe aos serventes: «Fazei o que ele vos disser.» Havia ali seis talhas de pedra, destinadas à purificação dos judeus, e em cada uma cabiam duas ou três medidas. Disse-lhes Jesus: «Enchei as talhas de água.» E encheram-nas até cima. Então disse-lhes: «Tirai agora e levai ao chefe de mesa.» Eles levaram. Quando o chefe de mesa provou a água transformada em vinho, sem saber de onde vinha (os serventes, que tinham tirado a água, sabiam-no), chamou o noivo e disse-lhe: «Todos servem primeiro o vinho bom e, quando já estão embriagados, o inferior. Mas tu guardaste o vinho bom até agora.» Assim, em Caná da Galileia, Jesus deu início aos seus sinais. Manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele.” (João 2,2-11)

No episódio das bodas de Caná, ocorre um facto portentoso: Jesus antecipa a hora em que começou os seus sinais e manifestou a sua glória em virtude do pedido de sua mãe: («Mulher, que há entre mim e ti? Ainda não chegou a minha hora.»). E é que poderosa é a petição daqueles que estão unidos ao Senhor, e aqui foi tanto que o Senhor antecipou a sua hora por amor a ela. Agora cabe perguntar, se o Senhor ouvia até esse ponto as petições de sua mãe, não o fará agora que estão juntos no céu?

Outros exemplos de intercessão que não são contrários à única mediação de Cristo podem ser vistos quando o Apóstolo Paulo suplica repetidamente que orem e intercedam por ele e pelos outros membros da Igreja (a quem chama santos):

“Irmãos, orai também por nós.” (1 Tessalonicenses 5,25)

“Tomai, também, o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a Palavra de Deus; sempre em oração e súplica, orando em toda ocasião no Espírito, velando juntos com perseverança e intercedendo por todos os santos.” (Efésios 6,17-18)

“Confessai, pois, mutuamente os vossos pecados e orai uns pelos outros, para que sejais curados. A oração fervorosa do justo tem muito poder.” (Tiago 5,16)

Se os Apóstolos pensassem que não se pode interceder pelos outros através da oração, então eles não pediriam que se orasse por eles. A razão evidente, mas ignorada pelos protestantes, é que não há conflito algum, pois eles intercedem em nome de Cristo. Por isso, quando elevamos as nossas orações na Santa Missa, dizemos “POR CRISTO, COM ELE E NELE, a ti, Deus Pai Omnipotente, na unidade do Espírito Santo…”. Todos somos intercessores porque estamos EM CRISTO, e somos parte do seu corpo místico, que é a Igreja.

Isto torna-se evidente se analisarmos no seu contexto a passagem da carta a Timóteo onde se fala da mediação de Cristo:

“Antes de tudo, recomendo que se façam súplicas, orações, intercessões e ações de graças por todos os homens; pelos reis e por todos os que estão em autoridade, para que possamos viver uma vida tranquila e pacífica, com toda piedade e dignidade. Isso é bom e agradável a Deus, nosso Salvador, que quer que todos os homens se salvem e cheguem ao pleno conhecimento da verdade. Pois há um só Deus, e um só mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem também, que se entregou a si mesmo como resgate por todos. Este é o testemunho dado no tempo oportuno.” (1 Timóteo 2,1-6)

Da análise completa do trecho anterior, podemos entender muitas coisas que não seriam compreendidas com a análise isolada do versículo. Entre elas, temos:

Primeiro, que embora todos possamos orar diretamente a Deus, também é agradável a Ele que oremos e intercedamos mutuamente uns pelos outros, pois, dessa forma, colaboramos na obra da salvação, na qual Deus deseja que todos sejamos salvos, não como indivíduos, mas como Igreja e comunidade, ajudando-nos mutuamente (ver versículos 1-3).

Segundo, que Cristo é o único mediador entre Deus e os homens porque se entregou a si mesmo como resgate por todos (ver versículos 5-6), mediação que não entra em conflito com a intercessão de uns pelos outros.

Argumento 2: Os mortos não têm consciência de nada, por isso é inútil pedir-lhes que intercedam por nós.

Os que utilizam este argumento baseiam-se na interpretação literal da seguinte passagem:

“Pois enquanto alguém segue unido a todos os viventes, há algo seguro, pois vale mais um cão vivo do que um leão morto. Porque os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem nada, e já não há paga para eles, pois a sua memória foi esquecida. Tanto o seu amor, como o seu ódio, como os seus ciúmes, há muito tempo pereceram, e nunca mais tomarão parte em tudo o que se passa debaixo do sol.” (Eclesiastes 9,4-6)

A passagem anterior refere-se aos seus corpos, mas não ao seu espírito, que retorna a Deus. No mesmo livro, mais adiante, isso é esclarecido:

“Lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os dias maus, e cheguem os anos em que dirás: «Não me agradam»;… volte o pó à terra, como era, e o espírito volte a Deus que o deu.” (Eclesiastes 12,1.7)

O Eclesiastes é um belo livro da Bíblia cujo principal mensagem trata de como tudo o que acontece “debaixo do sol” é vaidade, exceto amar e servir a Deus.

É importante também analisar o contexto em que foi escrito, pois, naquele momento, a Revelação estava em pleno progresso, e não se tinha certeza da vida após a morte, nem conhecimento da ressurreição. Nesse sentido, não é estranho encontrar no livro do Eclesiastes passagens como:

“Quem sabe se o fôlego de vida dos humanos sobe para cima, e se o fôlego de vida do animal desce para baixo, para a terra?” (Eclesiastes 3,21)

Em textos como este, o hagiógrafo escreve por inspiração divina a partir do que conhece e não teme refletir a sua ignorância sobre aquelas coisas que, na época, não estavam reveladas.

“Porque o homem e o animal têm o mesmo destino: assim como um morre, morre o outro; ambos têm o mesmo fôlego de vida. Em nada o homem tem vantagem sobre o animal, pois tudo é vaidade.” (Eclesiastes 3,19)

Não é que o homem e o animal tenham o mesmo destino, e que em nada o homem se sobreponha ao animal, mas sim que, até esse ponto, tal conhecimento não estava revelado; por isso, quem escreve fala apenas do que ocorre “debaixo do sol”. No entanto, posteriormente, à medida que a Revelação avança, o conhecimento do povo de Deus sobre esse assunto cresce, e já não cabe pensar que o homem e o animal têm o mesmo destino.

“Observai as aves do céu: não semeiam, nem colhem, nem armazenam em celeiros; e o vosso Pai celestial as alimenta. Não valeis vós mais do que elas?” (Mateus 6,26)

O argumento de que os mortos não têm consciência de nada só ganha força perante alguém que não leu o livro do Eclesiastes completo e sem o analisar à luz do Novo Testamento, no qual se revela que aqueles que morreram em Cristo abandonam o corpo para estar com Ele, aguardando serem revestidos do seu corpo glorificado.

Paulo sempre teve a certeza de que, ao morrer, estaria com Cristo, o que para ele era muito melhor:

“Sinto-me pressionado por ambos os lados: por um lado, desejo partir e estar com Cristo, o que, certamente, é com muito o melhor.” (Filipenses 1,23)

“Pois sabemos que, se esta tenda, que é a nossa morada terrena, se desfizer, temos de Deus um edifício: uma morada eterna, não feita por mãos humanas, que está nos céus. E assim gememos neste estado, desejando ardentemente ser revestidos da nossa habitação celestial, se é que nos encontramos vestidos, e não nus. Sim, nós que estamos nesta tenda gememos oprimidos. Não é que desejemos ser despidos, mas sim revestidos, para que o que é mortal seja absorvido pela vida. E quem nos preparou para isso foi Deus, que nos deu o Espírito como garantia. Portanto, estamos sempre cheios de confiança, sabendo que, enquanto habitamos no corpo, estamos longe do Senhor, pois caminhamos pela fé e não pela visão… Estamos, portanto, cheios de confiança e preferimos deixar este corpo para habitar com o Senhor. Por isso, quer habitando no corpo, quer fora dele, esforçamo-nos por agradá-lo.” (2 Coríntios 5,1-9)

A grande Revelação de Cristo é que Ele veio para que tenhamos vida e a tenhamos em abundância, porque Ele é um Deus de vivos, não de mortos:

“E quanto ao fato de os mortos ressuscitarem, não lestes no livro de Moisés, na passagem da sarça, como Deus lhe disse: ‘Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó’? Ele não é Deus de mortos, mas de vivos. Estais em grande erro.” (Marcos 12,26-27)

A passagem anterior ensina-nos que, se Deus é o Deus de Abraão, Isaac e Jacó, é porque eles estão vivos, pois Deus não pode ser Deus de alguém que já não existe.

Mas, se esses textos por si só já são suficientes para desarmar os argumentos das seitas, todas as suas objeções se desmantelam diante do episódio da transfiguração, em que Jesus fala com Elias e Moisés, que obviamente tinham consciência do que estava a acontecer.

Se lhes apareceram Elias e Moisés, e conversavam com Jesus.” (Marcos 9,1-4)

Argumento 3: Um argumento mais frequentemente ouvido é que não há prova nem garantia de que os santos e anjos intercedam por nós diante de Deus, pelo que é inútil pedir-lhes.

Esta razão falha por várias razões:

Primeiro, porque a Bíblia ensina que aqueles que morreram em santidade estão na sua presença clamando:

“Quando abriu o quinto selo, vi debaixo do altar as almas dos que foram mortos por causa da Palavra de Deus e do testemunho que mantiveram. Eles clamaram com grande voz: ‘Até quando, ó Soberano, santo e verdadeiro, não julgas e vingarás o nosso sangue dos habitantes da terra?’ Foi-lhes dada a cada um uma veste branca, e foi-lhes dito que repousassem ainda um pouco de tempo, até que se completasse o número dos seus consiervos e irmãos que iam ser mortos como eles.” (Apocalipse 6,9-11)

As vezes que conversei com protestantes sobre este versículo surgiram as mais variadas respostas. Para alguns, o versículo demonstra que eles podem fazer pedidos a Deus, mas apenas para si mesmos (isto porque, nesse episódio, pedem justiça para si, e não pedem nada por mais ninguém). Este é um raciocínio bastante ilógico em si mesmo. Podem pedir, mas não podem escolher sobre o que vão pedir? Que tipo de situação é essa em que vivemos na presença de Deus, e Ele não pode ouvir as nossas preces?

O pior é que, por detrás deste raciocínio, não há qualquer base bíblica, pois em parte alguma a Escritura nega que os santos possam fazer pedidos a Deus por nós; pelo contrário, vemos que a totalidade dos santos o faz.

“Quando o tomou, os quatro Seres Viventes e os vinte e quatro Anciãos prostraram-se diante do Cordeiro. Cada um tinha uma cítara e taças de ouro cheias de perfumes, que são as orações dos santos.” (Apocalipse 5,8)

“Outro Anjo veio e pôs-se junto ao altar com um incensário de ouro. Foi-lhe dado muito incenso para que o oferecesse com as orações de todos os santos sobre o altar de ouro, que está diante do trono. E, da mão do Anjo, subiu diante de Deus a fumaça do incenso com as orações dos santos.” (Apocalipse 8,3-4)

Nestes textos, não há nada que permita inferir que, quando se refere a “todos os santos”, se exclua aqueles que já gozam da visão beatífica. Pelo contrário, a Escritura diz:

“Pois os olhos do Senhor estão sobre os justos, e os seus ouvidos estão atentos às suas orações, mas o rosto do Senhor é contra os que praticam o mal.” (1 Pedro 3,12)

Não é sensato pensar que o Senhor deixe de ouvir a oração dos justos precisamente quando estão em plena e íntima comunhão com Ele, e menos ainda pensar que já não desejam ou podem interceder pelos seus irmãos. Abundam os textos que refletem o contínuo desejo dos membros da Igreja de intercederem uns pelos outros:

“Confessai, pois, mutuamente os vossos pecados e orai uns pelos outros, para que sejais curados. A oração fervorosa do justo tem muito poder.” (Tiago 5,16)

Se Jesus Cristo ouviu e respondeu à oração do bom ladrão por um momento de fé enquanto estava na cruz (Lucas 23,42), não ouvirá Ele a sua mãe (Lucas 2,16), que cumpriu perfeitamente a vontade de Deus e disse: “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lucas 1,38)? Se por um minuto de fé Ele ouviu e respondeu ao malfeitor, o que não fará Jesus pelos seus amigos, os santos, que tiveram uma vida de fé e obediência?

Argumento 4: Afirmam que é inútil pedir-lhes, porque, como só Deus é Onipresente, eles não podem nos ouvir nem ver.

É verdade que só Deus é Onipresente1, mas é igualmente verdade que aqueles que gozam da visão beatífica têm conhecimento do que acontece. E, embora não esteja revelado como o tempo funciona no além, há evidências nas Escrituras que dão a entender que aqueles que estão com Deus não se encontram em um estado de ignorância da realidade. Um exemplo disso encontra-se nos capítulos 11 e 12 de Hebreus, onde são lembrados todos os Santos da antiguidade: Abel, Enoque, Noé, Abraão, Isaac, Jacó, Moisés, Raabe, Gideão, Baraque, Sansão, Jefté, Davi, Samuel e os Profetas.

“Pela fé, Abel ofereceu a Deus um sacrifício mais excelente que Caim, e por ela foi declarado justo… Pela fé, Enoque foi trasladado, de modo que não viu a morte e não foi encontrado, porque Deus o trasladou. Pois antes de ser trasladado, a Escritura dá em seu favor o testemunho de que havia agradado a Deus… Pela fé, Noé, advertido por Deus sobre o que ainda não se via… Pela fé, Abraão, ao ser chamado por Deus, obedeceu e saiu para o lugar que havia de receber como herança… o mesmo aconteceu com Isaque e Jacó, coerdeiros das mesmas promessas… Pela fé, também Sara recebeu, mesmo fora da idade apropriada, vigor para ser mãe, pois considerou fiel Aquele que lhe havia prometido… Pela fé, Isaque abençoou Jacó e Esaú em relação ao futuro… Pela fé, Jacó, moribundo, abençoou cada um dos filhos de José e se inclinou apoiado na cabeça do seu bastão… Pela fé, Moisés, recém-nascido, foi ocultado durante três meses por seus pais, pois viram que o menino era belo e não temeram o decreto do rei… Pela fé, a prostituta Raabe não pereceu com os incrédulos, porque havia acolhido amistosamente os exploradores… E que mais direi? Pois o tempo me faltaria se eu falasse de Gideão, Baraque, Sansão, Jefté, Davi, Samuel e os Profetas.” (Hebreus 11,4-5.7-9.11.20-21.23.31-32)

E, em seguida, são descritos como uma nuvem de testemunhas:

“Portanto, também nós, que estamos rodeados por tão grande nuvem de testemunhas, deixemos de lado todo peso e o pecado que nos assedia, e corramos com perseverança a corrida que nos é proposta.” (Hebreus 12,1)

Jesus também fala de como há alegria no céu quando ocorre a conversão de um pecador, o que é uma prova de que aqueles que estão lá não ignoram o que acontece.

“Digo-vos que, do mesmo modo, haverá mais alegria no céu por um só pecador que se converta do que por 99 justos que não precisam de conversão.” (Lucas 15,7)

“Assim vos digo que há alegria entre os anjos de Deus por um só pecador que se converte.” (Lucas 15,10)

Argumento 5: O último argumento que os protestantes costumam usar quando nenhum dos argumentos anteriores funciona é alegar que não precisam pedir a intercessão dos santos, pois podem recorrer diretamente a Cristo. Aqui, citam estes textos:

“E tudo o que pedirdes em meu nome, eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho. Se me pedirdes algo em meu nome, eu o farei.” (João 14,13-14)

“Meus filhinhos, escrevo-vos estas coisas para que não pequeis. Mas, se alguém pecar, temos um Advogado junto ao Pai: Jesus Cristo, o Justo.” (1 João 2,1)

Embora a oração cristã deva ser centrada em Cristo, isso não significa que a intercessão mútua seja excluída. Se assim fosse, também não seria necessário pedir a um irmão que orasse por nós, já que também podemos fazê-lo diretamente.

Este tipo de objeções talvez se origine na compreensão limitada, por parte dos protestantes, do mistério da Igreja: Todos unidos em Cristo através do amor, o que inclui a colaboração mútua, especialmente naquilo que está diretamente ordenado à salvação. É precisamente por isso que São Paulo, sendo Apóstolo de Jesus Cristo, não hesitou em solicitar insistentemente a intercessão de seus irmãos, embora também pudesse pedir diretamente a Deus tudo o que necessitava.

Notas de rodapé

  1. Capacidade de estar presente em todos os lugares simultaneamente.
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