A Imaculada Conceição da Virgem Maria, Objeções Comuns

Um leitor  enviou a seguinte consulta:

“Um amigo protestante enviou-me um artigo com vários argumentos bíblicos contrários ao dogma da Imaculada Conceição. Nele se diz que Maria tinha pecado e que ela mesma o reconhecia. Envio-vos agora as partes que me confundiram para que me dêem a vossa opinião a respeito, a qual agradeço desde já.”

Resposta:

Caro Manuel, a seguir vou analisar os argumentos mais relevantes do artigo que nos enviaste.

1. A “baixeza” de Maria

O argumento em questão afirma:

“Maria reconheceu claramente como era diante de Deus. Ela reconheceu a sua «baixeza» e a necessidade de Cristo, como «seu Salvador». Essa «baixeza» de que Maria nos fala no «Magnificat» não era uma manifestação de uma grande modéstia de Maria, como Roma diz. Se realmente Maria fosse sem pecado e perfeita como Jesus, nunca teria falado da sua «baixeza», porque não a teria; isso teria sido, pura e simplesmente, falsa humildade, e esta última nunca teria ocorrido se Maria tivesse sido realmente «concebida sem pecado». A verdadeira humildade é reconhecer o que se é, assim como o que não se é.”

É importante começar com uma tradução mais adequada do texto do Magnificat a que se refere este comentário:

“porque pôs os olhos na humildade da sua serva; por isso, desde agora, todas as gerações me chamarão bem-aventurada.” (Lucas 1,48 Bíblia de Jerusalém)

A palavra que o texto grego utiliza aqui é ταπείνωσις (tapeinōsis), que pode ser traduzida como “humilhação”, “estado humilde”1 e refere-se à condição de uma pessoa que se reconhece pequena ou que se faz pequena.

Todos nós devemos reconhecer a nossa pequenez diante de Deus, mas essa pequenez não implica, de modo algum, um estado pecaminoso; trata-se da relação natural que existe entre a criatura e o seu Criador. Os anjos também se humilham diante de Deus, e eles não possuem pecado.

Muitas Bíblias protestantes traduzem esta palavra por “bajeza” (as diferentes versões da Reina-Valera), e, embora a tradução não seja completamente incorreta (uma outra possível tradução da palavra é “condição baixa”), não me parece a mais adequada neste contexto.

Em Atos 8,33 utiliza-se a mesma palavra ταπείνωσις (tapeinōsis) para se referir à condição de Cristo:

“«Foi levado como uma ovelha ao matadouro; e como cordeiro, mudo diante daquele que o tosquia, assim ele não abre a boca. Na sua humilhação, foi-lhe negada a justiça; quem poderá contar a sua descendência? Pois a sua vida foi arrancada da terra.»” (Atos 8,32-33)

Neste texto, as Bíblias protestantes que no texto do Magnificat traduzem “bajeza”, aqui traduzem “humilhação”. Esta forma de tradução parece tendenciosa, pois, se a palavra se refere a Cristo, utilizam “humilhação”, mas, quando se refere a Maria, usam “bajeza”.

A palavra ταπείνωσις (tapeinōsis) vem de ταπεινόω (tapeinoō), que significa “humilde”, e esta, por sua vez, de ταπεινός (tapeinos), palavra que o próprio Cristo utiliza para se referir a si mesmo, quando diz:

“Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas.” (Mateus 11,29)

Assumir que Maria tinha pecado porque falou de sua humilhação ou humildade é como afirmar que Jesus também o teria, já que a Escritura utiliza as mesmas palavras para descrever a sua condição.

No Magnificat, Maria está a falar de sua condição humilde (outros exegetas interpretam isto como uma referência à humilhação que ela e o seu povo sofriam), mas isso está longe de reconhecer uma condição pecaminosa.

Outro exemplo encontra-se em Tiago 1,10, onde também se utiliza ταπείνωσις (tapeinōsis):

“O irmão de condição humilde glorifique-se na sua exaltação; e o rico, na sua humilhação, porque passará como a flor da erva.” (Tiago 1,9-10)

No versículo 9, utiliza-se ταπεινός (tapeinos) para refletir a condição humilde dos pobres, enquanto no versículo 10 se utiliza ταπείνωσις (tapeinōsis) para referir-se à humilhação dos ricos. Este é outro exemplo que mostra que a palavra se refere à condição de humildade ou humilhação da pessoa, e não a uma condição pecaminosa. Se fosse assim, teríamos que entender que Tiago nos manda gloriar-nos na nossa condição pecadora; no entanto, o contexto é claramente oposto a isso.

2. Se Maria não cometeu pecado, isso quer dizer que não precisou de Cristo como Salvador?

“Por ser Maria bendita entre as mulheres (Lc 1,28), sendo um exemplo de obediência e fidelidade a Deus, significa isto que Maria era perfeita, que não tinha pecado e que, por conseguinte, não necessitava da salvação que Jesus traria ao mundo pelo seu sacrifício na cruz? Não. Maria, como todos os seres humanos, não podia salvar-se a si mesma, nem pelas suas obras, nem pela sua própria justiça ou santidade, porque, tal como todos os outros, ela era humana e, portanto, descendente de Adão e Eva. A Bíblia afirma claramente que Maria necessitava da salvação que só Deus, pela Sua graça, pode conceder, e Ele concede-a pelos únicos e suficientes méritos de Cristo Jesus. Maria exclamou, quando foi visitar Isabel: «…O meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, porque olhou para a humildade da sua serva…» (Lucas 1,47-48).

“…Como diz Miguel Ángel Tíscar, ex-sacerdote católico-romano: «Ela diz, e não podemos acusar Maria de ser mentirosa. Ela diz: em Deus, meu Salvador; então, foi salva!». Se foi salva, significa que antes estava perdida, não é verdade? Afinal, alguém é salvo da perdição ou condenação que justamente merece (Romanos 3,23)”

Para responder a esta objeção, devemos primeiro esclarecer qual é realmente a fé católica em relação à Imaculada Conceição.

À frase: “Maria, como todos os humanos, não podia salvar-se a si mesma nem pelas suas obras, nem pela sua própria justiça ou santidade, porque, tal como todos os outros, ela era humana”, nós respondemos que estamos de acordo. E à frase: “Maria necessitava da salvação que só Deus, pela Sua graça, pode conceder; e Ele concede-a pelos únicos e suficientes méritos de Cristo Jesus”, afirmamos que isso é 100% doutrina católica.

Nós acreditamos que Maria precisou da salvação de Cristo, e a dificuldade de compreender como foi salva pelos méritos de Cristo sem ter sido concebida em pecado não é uma questão nova. Teólogos como São João Crisóstomo e São Tomás de Aquino apresentaram as suas reservas a esse respeito. Explica Fray Nelson Medina:

“A objeção desaparece assim que descobrimos que o que estamos celebrando é precisamente o modo singular como a salvação de Deus se fez presente, primeiramente, na vida de Maria. Deus salva levantando o que caiu, mas também impedindo de cair. Não cair é uma forma de ter sido sustentado, uma forma de ter sido salvo. Maria não é aquela que não precisou de salvação, mas aquela que foi salva de um modo peculiar, em razão de sua missão particular… Ser salvo não implica ter pecado ou ter estado sob o poder do pecado.”2

Vendo desta maneira, não se pode negar que nós, os católicos, acreditamos que Maria de fato precisou ser salva por Cristo, mas acreditamos que foi salva de um modo peculiar devido à missão única e transcendental que teria que realizar: albergar em seu seio puro e sem mancha o Verbo de Deus. Esta não era uma missão qualquer, e não seria uma carne manchada pelo pecado e sob o domínio de Satanás que Cristo tomaria para si mesmo. Para nós, a imaculada conceição de Maria resulta em benefício, mais do que em detrimento, da dignidade do Redentor.

Uma vez entendido isso, podemos compreender a falha deste raciocínio do ex-sacerdote ao perguntar: “Ela diz, e não podemos acusar Maria de ser mentirosa. Ela diz: em Deus, meu Salvador; então, foi salva! Se foi salva, é porque antes estava perdida, não é verdade?

Eis aqui a imprecisão do raciocínio protestante, que pode ser ilustrada com um exemplo simples: Imaginemos um pedestre atropelado por um carro ao atravessar a rua. Alguém vem, o auxilia e o salva. Pode-se dizer que ele foi salvo. Mas, imaginemos que o detém antes de atravessar a rua. Ele nunca foi atropelado, mas também foi salvo.

3. Mas a Bíblia diz que todos pecaram…

“A Bíblia diz que todos pecaram e estão privados da glória de Deus (Romanos 3,23). Ao que parece, os católicos romanos não se deram conta de que TODOS significa TODOS, e isso inclui Maria. O próprio Apóstolo João declara em 1 João 1,10 que, se dissermos que não temos pecado, fazemos a Ele mentiroso, e a Sua palavra não está em nós. Com a proclamação do dogma da Imaculada Conceição, os católicos romanos fizeram Deus mentiroso.”

Um erro comum é tirar um texto do seu contexto e, a partir daí, formular doutrinas de forma precipitada. Nós, os católicos, conhecemos esses textos, mas não acreditamos que São Paulo ou São João tivessem a intenção de incluir ou fazer referência ao caso especial da Santa Virgem Maria, pois aqui se fala da condição geral do ser humano.

A este respeito, é oportuno salientar que na Escritura “todos” não significa sempre “absolutamente todos”. Se lermos bem Romanos 3,23, também se diz que TODOS foram privados da glória de Deus; no entanto, isto não é verdade para absolutamente todos, pois Enoque e Elias não o foram. Temos testemunhos disso nas próprias Escrituras:

“E Enoc andou com Deus, e desapareceu, porque Deus o levou.” (Génesis 5,24)

“E aconteceu que, enquanto eles iam caminhando e conversando, eis que um carro de fogo com cavalos de fogo os separou; e Elias subiu ao céu num redemoinho.” (2 Reyes 2,11)

Mas como poderia haver aqui uma referência a absolutamente todos, se Enoc e Elias foram levados ao céu? Deveríamos pensar que São Paulo não conhecia esses eventos bíblicos? Ou seria mais consistente supor que ele não estava a fazer referência a casos excepcionais?

Assim como neste caso ele não se referia a estar privados da glória de Deus, não há por que assumir que, quando na mesma frase ele alega que todos pecaram, estivesse incluindo especificamente o caso de Maria. Isso seria bastante precipitado.

Outro exemplo de que na Bíblia “Todos” nem sempre significa “absolutamente todos” encontramos em outros textos:

“Houve nos dias de Herodes, rei da Judeia, um sacerdote chamado Zacarias, do turno de Abias, casado com uma mulher descendente de Aarão, que se chamava Isabel; ambos eram justos diante de Deus, vivendo irrepreensivelmente em todos os mandamentos e preceitos do Senhor.” (Lucas 1,5-6)

Aplicando o mesmo raciocínio protestante, teríamos de concluir que Zacarias e sua esposa não tinham pecado, porque a Escritura afirma que viviam irrepreensivelmente em todos os mandamentos e eram justos.

Da mesma forma, acreditamos que o texto de São João não pretende fazer referência ao caso particular da Virgem Maria, visto que ele não está a tratar desse tema, mas sim da condição natural de todos nós como pecadores. Uma prova disso é que, ao contrário de Romanos 3,23, ele não está a fazer referência ao pecado original, mas sim a pecados cometidos (O pecado original é um pecado “contraído” e não “cometido” – contraímo-lo por sermos descendentes de Adão, mas não o cometemos, quem o cometeu foi Adão).

Note-se que São João diz: “Se dissermos que não temos pecado…”. Quando se refere a “ter” pecado, fala de pecados cometidos e não do pecado original. No entanto, as crianças não cometeram pecados pessoais, pelo que São João também não está a falar delas. Uma criança pequena poderia dizer, referindo-se aos pecados pessoais mencionados por João, que não pecou, e não por isso faria de Deus um mentiroso.

Se, quando São João nos diz isto, ele não está a contemplar o caso particular das crianças, por que haveríamos de supor que ele estaria a fazer referência ao caso particular de Maria – aquela que tinha de levar no seu seio e dar a sua carne ao Verbo de Deus?

Além disso, o próprio João, mais adiante, afirma:

Qualquer que permanece nele, não peca; qualquer que peca, não o viu, nem o conheceu.” (1 Juan 3,6)

Com base neste texto, seria ousado afirmar que houve um tempo em que Maria não permaneceu n’Ele, sendo que o anjo a proclama “cheia de graça” num estado permanente, inclusive antes de o Espírito Santo realizar nela a obra da encarnação. Com isso, podemos passar ao próximo argumento.

4. O que significa chamar Maria “cheia de graça”

“O outro texto bíblico no qual Roma se apoia para o seu dogma mariano é Lucas 1,28: «E entrando o anjo onde ela estava, disse: Salve, muito favorecida! O Senhor está contigo; bendita és tu entre as mulheres» (Lucas 1,28). Vejamos: «Salve», em grego «Chaire», significa «Saudações!». Não é mais do que um «Olá!» atual. «Muito favorecida!», em grego «Kecharitoméne», é o particípio ao qual Roma se agarrou para ensinar que Maria estava «cheia de graça» até ao ponto máximo, sem deixar brecha para qualquer pecado, nem original nem pessoal. Tal ensinamento carece de qualquer fundamento, e para refutá-lo basta observar que Efésios 1,6 usa exatamente o mesmo verbo grego, sem que alguém diga que todos os crentes estão «cheios de graça» da mesma maneira que Roma diz de Maria. Atos 4,33 diz: «E com grande poder os Apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e abundante graça estava sobre todos eles», ou seja, o favor de Deus para com todos, cumprindo-se assim as palavras dos anjos em Lucas 2,14: «…paz na terra aos homens de boa vontade».”

Embora “cheia de graça” seja de facto uma tradução correta para a palavra κεχαριτωμενη (kecharitoméne), para ser mais preciso, nem mesmo esta tradução abarca o profundo significado desta palavra.

A palavra κεχαριτωμενη é uma extensão de três palavras: χαριτοω (charitoo), μένη (mene) e κε (ke). χαριτοω (charitoo) significa “graça”, κε (ke) é um prefixo de χαριτοω que indica que a palavra está no tempo perfeito. Isto significa um estado presente, produto de uma ação completada no passado. μένη (mene) faz com que isto seja um particípio passivo. “Passivo” significa que a ação é realizada sobre o sujeito (neste caso, a Virgem Maria) por outra pessoa (neste caso, Deus). Resumindo, a palavra κεχαριτωμενη aplicada a Maria é um particípio passivo de χαριτοω (charitoo): é Deus o autor do seu estado de graça; ela foi preenchida, cumulada de graça.

Quando o anjo Gabriel usa κεχαριτωμενη para se referir a Maria, fá-lo como um pronome (um pronome substitui um nome ou um título), o que representa a identidade da pessoa de quem se está a falar. Assim, Maria é identificada com um simples termo, que não é o seu nome (Maria).

Com base nisso, interpretamos que o anjo não está a dizer que Maria está cheia de graça (naquele momento em particular), mas que se está a referir a ela como a “cheia de graça” ou “cumulada de graça”. Ora, este estado, sendo o produto de uma ação passada (por ser um particípio passivo perfeito), indica uma perfeição da graça que é intensiva e extensiva. O estado de Maria é o resultado de uma ação passada de Deus sobre ela, pela qual foi cumulada de graça, ficando assim identificada.

É importante destacar que esta palavra com a qual o anjo identifica Maria é utilizada exclusivamente para ela em toda a Escritura. κεχαριτωμενη não está conjugada da mesma maneira que χαριτοω, e por isso o autor do artigo protestante omite a enorme diferença que há entre χαριτοω e κεχαριτωμενη, sendo este último um particípio passivo no tempo perfeito, o que sugere que o estado de graça de Maria é total e permanente.

Um caso semelhante também o encontramos quando a Bíblia fala de Estêvão. Em Atos 6,8, lemos que “Estêvão, cheio de graça e de poder…”, contudo, aqui ocorre algo diferente, pois trata-se de um adjetivo “pleres” (cheio) seguido do genitivo “charitos” (χαριτοω) (de graça). Os adjetivos refletem qualidades dos sujeitos, enquanto os pronomes substituem ou identificam o sujeito numa frase. Assim, há uma diferença entre a palavra utilizada para Maria e a utilizada para Estêvão, pois a primeira implica um estado permanente de graça, enquanto a segunda refere-se a um estado pontual de Estêvão naquele momento.

O Papa João Paulo II explicou o significado da palavra κεχαριτωμενη:

“A expressão «cheia de graça» traduz a palavra grega «kejaritomene», que é um particípio passivo. Assim, para exprimir com mais precisão o matiz do termo grego, não se deveria dizer simplesmente «cheia de graça», mas «feita cheia de graça» ou «cumulada de graça», o que indicaria claramente que se trata de um dom concedido por Deus à Virgem. O termo, na forma de particípio perfeito, expressa a imagem de uma graça perfeita e duradoura que implica plenitude. O mesmo verbo, no sentido de «cumulada de graça», é usado na carta aos Efésios para indicar a abundância de graça que o Pai nos concede no seu Filho amado (cf. Ef 1,6). Maria recebe-a como primícia da Redenção.”3

5. Maria cumpriu com os ritos de purificação porque estava “impura”.

“Em Lucas 2,22, diz-se que, quando se cumpriram os dias da purificação de Maria, conforme a lei de Moisés, levaram-no a Jerusalém para o apresentarem ao Senhor.

Lucas 2,23-24: como está escrito na lei do Senhor: Todo o varão que abrir a madre será chamado santo ao Senhor, e para oferecer conforme ao que se diz na lei do Senhor: Um par de rolas ou dois pombinhos.

Se Maria fosse sem mácula, não teria sido necessário apresentar as duas rolas. Não podemos esquecer que o sangue é para remissão, e neste caso, sem dúvida, não era por Cristo que o sangue foi derramado, e é claro que tem de ser por Maria, que, portanto, necessitava de ser purificada.”

De todas as objeções contra a Imaculada Conceição, citar Lucas 2,22-24 é talvez a mais absurda, e é causada pela profunda incompreensão que alguns protestantes têm das Escrituras. Tenta-se usar como exemplo o Levítico para justificar o hipotético pecado da Bem-aventurada Virgem Maria.

Diz o Levítico:

“Fala aos filhos de Israel, dizendo: A mulher, quando conceber e der à luz um varão, será impura durante sete dias; conforme os dias da sua separação por causa do seu fluxo menstrual, será impura.” (Levítico 12,2)

Se observarmos a prescrição do Levítico, fala-se de que quem dá à luz a um varão fica impura. Não entraremos em detalhes sobre a natureza desse estado de impureza, embora seja óbvio que a mulher ao dar à luz não comete pecado algum, pois o pecado implica desobediência à lei divina. Tampouco é pecado a menstruação na mulher.

No entanto, sem nos aprofundarmos neste ponto, devemos primeiramente ter em conta que Maria não deu à luz a um simples varão… ela deu à luz o Filho de Deus, tal como o anjo lhe disse:

“…O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; por isso mesmo o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus.” (Lucas 1,35)

Será esse Santo, o Filho de Deus, um simples varão como o resto de nós, a ponto de causar impureza numa mulher?

Porque, nesse caso, estaríamos a dizer que Jesus é causa de impureza, já que a causou a Maria. Mas não, o Santo que nascerá da Virgem é o Filho de Deus, e recordemos que desse mesmo Filho de Deus testemunhou São João Batista:

“No dia seguinte, João viu Jesus que vinha até ele e disse: «Este é o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo».” (Juan 1,29)

Assim, ao organizarmos os factos, vemos que primeiramente o autor do argumento afirma que Maria, por dar à luz um varão, ficou impura e daí assume que “em pecado”. No entanto, o anjo assegurou que o Varão que nascerá da Virgem é o Santo Filho de Deus, e, além disso, João diz-nos que Ele tira o pecado do mundo. A pergunta seria… Que tipo de senso comum pode levar alguém a pensar que o Santo por excelência, o Filho de Deus, que santifica as almas, e que ao mero contacto da sua túnica purificava hemorroíssas e curava doenças, teria deixado Maria impura pelo seu nascimento? Como é possível que Aquele que tira o pecado do mundo tenha deixado, pelo seu nascimento, pecado e impureza em Maria? Insinuar que Maria ficou impura e contraiu algum pecado por dar à luz o Verbo de Deus é, francamente, ridículo.

Não devemos esquecer que Jesus nasceu sob a Lei de Moisés:

“Mas, quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher e nascido sob a Lei.” (Gálatas 4,4)

Obviamente, a Mulher que deu à luz a Jesus tinha de cumprir as prescrições legais. O próprio Jesus as cumpriu, já que foi circuncidado, sendo esse um ritual legal.

O facto de Maria ter apresentado o sacrifício legal não é prova da sua “impureza”, muito menos de que tenha pecado. Pelo contrário, é uma prova da sua humildade e obediência a Deus, já que a toda pura, apesar da sua santidade, o fez por obedecer à Lei de Deus.

E isso recorda-nos imediatamente a bela conexão entre Mãe e Filho, pois o próprio Jesus, o Humilde dos humildes, fez o mesmo:

“João batizava no deserto e pregava o batismo de arrependimento para perdão dos pecados.” (Marcos 1,4)

E o que fez Jesus? Fez isto:

“Aconteceu, naqueles dias, que Jesus veio de Nazaré, na Galileia, e foi batizado por João no Jordão.” (Marcos 1,9)

Aqui vemos que Jesus recebeu o batismo de João, que era para arrependimento e perdão dos pecados.

Se Jesus era Imaculado e Santíssimo… por que se submeteu a um batismo que era para pecadores? Se utilizássemos a ótica protestante, teríamos de pensar que Jesus também não era imaculado.

Agora passemos ao ponto das rolas.

Por que levaram as rolas? Porque assim dizia a Lei sob a qual Jesus nasceu. Jesus cumpriu integralmente a Lei, outro exemplo disso temos no capítulo 17 de Mateus.

“Quando entrou em Cafarnaum, os coletores da didracma aproximaram-se de Pedro e disseram-lhe: O vosso Mestre não paga a didracma? E ele respondeu: Certamente que sim. Quando entrou em casa, Jesus adiantou-se e disse-lhe: Que te parece, Simão? Os reis da terra, de quem cobram impostos e tributos? Dos seus filhos ou dos estranhos? Ele respondeu: Dos estranhos. E Jesus disse-lhe: Portanto, os filhos estão isentos. Mas, para não os escandalizarmos, vai ao mar, lança o anzol, apanha o primeiro peixe que morder, abre-lhe a boca e encontrarás um estater; toma-o e paga-o por mim e por ti.” (Mateus 17,24-2)

Segundo a lei de Moisés entre os judeus, cada varão adulto tinha de pagar um imposto anual para o templo; tal imposto era de duas dracmas, ou seja, o salário de dois dias de um camponês. Segundo o próprio Jesus, Ele não tinha de o fazer e, por isso, diz a Pedro: “Os reis da terra, de quem cobram impostos e tributos? Dos seus filhos ou dos estranhos? Ele respondeu: Dos estranhos. E Jesus disse-lhe: Portanto, os filhos estão isentos.” Sendo Jesus o Filho de Deus, Ele cumpriu essa prescrição legal. Ele era Filho, não estranho, mas cumpriu igualmente a Lei. Da mesma forma, não é de estranhar que Maria também tenha vivido conforme a Lei. Da mesma maneira, a Bem-aventurada Virgem e o Justo José sacrificaram as duas rolas para cumprir a Lei e não causar escândalo aos judeus.

6. Uma mulher não pode ser mãe de todos os homens.

“É célebre a passagem dos Evangelhos onde Jesus, na cruz, diz à sua mãe: «Mulher, eis o teu filho» (João 19,26), e depois diz a João: «Eis a tua mãe» (João 19,27). Roma ensinou que isso é prova de que Maria é «nossa Mãe». No entanto, Jesus sempre nos ensinou sobre o Pai que está nos céus, e não sobre uma mãe terrena nem celestial. Diz-se, e com muita razão, que «um texto fora de contexto é um pretexto». O facto de Jesus ter dito à sua mãe que João, o discípulo, seria «seu filho», não pode ser extrapolado para todos os crentes, já que nenhuma mulher pode ser mãe de todos.”

Este argumento, na verdade, não se refere à Imaculada Conceição, mas é antes uma rejeição à maternidade espiritual de Maria para com nós, cristãos, e, embora não seja exatamente o tema em questão, aproveitarei para fazer alguns comentários a esse respeito.

Aqui, a razão que o artigo apresenta para sustentar que Maria não pode ser mãe de todos os cristãos é que “nenhuma mulher pode ser mãe de todos”, mas ignora que não se está a falar de uma maternidade segundo a carne, mas de uma maternidade “espiritual”. O conceito de maternidade e paternidade espiritual não é alheio às Escrituras.

Abraão, por exemplo, é chamado pai dos judeus segundo a carne:

“Que diremos, pois, de Abraão, nosso pai segundo a carne?” (Romanos 4,1)

Mas também é pai espiritual de todos os crentes, por meio da fé:

“…e recebeu o sinal da circuncisão como selo da justiça da fé que tinha quando ainda era incircunciso. Assim, ele se tornava pai de todos os crentes incircuncisos, a fim de que a justiça lhes fosse igualmente imputada; e pai também dos circuncisos que não se contentam com a circuncisão, mas que seguem as pegadas da fé que teve o nosso pai Abraão antes da circuncisão.” (Romanos 4,11-12)

“Tende, pois, por certo que os que vivem pela fé, esses são filhos de Abraão.” (Gálatas 3,7)

Ora, se o próprio São Paulo não tem reservas em chamar a um homem de “pai espiritual” de todos os crentes, por que não poderia Maria ser chamada de mãe também num sentido espiritual? Seria coerente que alguém replicasse a São Paulo, naquela época, que Abraão não poderia ser pai de todos porque nenhum homem poderia sê-lo?

  1. Lexicon Grego do Novo Testamento (The New Testament Greek Lexicon)
  2. Fray Nelson Medina, Homilías em FrayNelson.com
  3. Catequese de João Paulo II (8-V-96)
Scroll to Top