O inferno na Bíblia e nos Padres da Igreja

É frequente ouvir membros de seitas como as Testemunhas de Jeová ou os Adventistas do Sétimo Dia negarem a existência do inferno. No entanto, para os católicos, o inferno é um dogma de fé.

A este respeito, ensina o Catecismo da Igreja Católica:

1033 Salvo se escolhermos livremente amá-Lo, não podemos estar unidos a Deus. Mas não podemos amar a Deus se pecarmos gravemente contra Ele, contra o nosso próximo ou contra nós mesmos: «Quem não ama permanece na morte. Todo o que odeia o seu irmão é um assassino; e sabeis que nenhum assassino tem a vida eterna permanecente nele» (1 Jo 3, 15). Nosso Senhor nos adverte que estaremos separados d’Ele se omitirmos socorrer as necessidades graves dos pobres e dos pequenos que são seus irmãos (cf. Mt 25, 31-46). Morrer em pecado mortal, sem estar arrependido nem acolher o amor misericordioso de Deus, significa permanecer separado d’Ele para sempre por nossa própria e livre escolha. Este estado de autoexclusão definitiva da comunhão com Deus e com os bem-aventurados é o que se designa com a palavra «inferno».

1035 O ensinamento da Igreja afirma a existência do inferno e a sua eternidade. As almas dos que morrem em estado de pecado mortal descem ao inferno imediatamente após a morte e ali sofrem as penas do inferno, “o fogo eterno” (cf. DS 76; 409; 411; 801; 858; 1002; 1351; 1575; SPF 12). A pena principal do inferno consiste na separação eterna de Deus, em quem unicamente o homem pode ter a vida e a felicidade para as quais foi criado e às quais aspira.

Fundamento bíblico do inferno

Assim como ocorre com a doutrina da imortalidade da alma, a revelação da existência do inferno ao povo de Deus foi progressiva.

Durante os primeiros oito séculos de redação da Bíblia, o termo hebraico sheol designa a morada das pessoas que morreram, tanto bons quanto maus. No entanto, nos livros mais recentes, já se encontra uma clara distinção entre o castigo dos ímpios em contraste com a recompensa dos justos, como indica o livro de Daniel no seu capítulo 12.

Muitos dos que dormem no pó da terra despertarão, uns para a vida eterna, outros para a vergonha, para o horror eterno. Os sábios brilharão como o fulgor do firmamento, e os que ensinaram a muitos a justiça, como as estrelas, por toda a eternidade.” (Daniel 12,2-3)

“E ao saírem, verão os cadáveres daqueles que se rebelaram contra mim; o seu verme não morrerá, o seu fogo não se apagará, e serão o horror de toda a humanidade.” (Isaías 66,24)

“Depois serão cadáveres desprezíveis, objeto de ultraje entre os mortos para sempre. Porque o Senhor os quebrará, lançando-os de cabeça, emudecidos, os sacudirá dos seus alicerces; ficarão completamente desolados, mergulhados na dor, e a sua lembrança se perderá. No tempo de prestar contas dos seus pecados, ficarão amedrontados, e as suas iniquidades se apresentarão para os acusar.” (Sabedoria 4,19-20)

Já no Novo Testamento, a doutrina do inferno é muito mais clara, especialmente na pregação de Jesus, que adverte os pecadores com o castigo do inferno, utilizando a figura da geena.

“Se o teu olho direito te leva a pecar, arranca-o e lança-o fora de ti; pois é melhor que se perca um dos teus membros, do que todo o teu corpo seja lançado na geena.” (Mateus 5,29)

“E não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma; temei antes aquele que pode destruir tanto a alma como o corpo na geena.” (Mateus 10,28)

“Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito, e, quando ele se torna um, o fazeis filho da condenação duas vezes pior do que vós!” (Mateus 23,15)

“Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação da geena?” (Mateus 23,33)

“E se o teu pé te leva a pecar, corta-o. É melhor entrares na Vida coxo, do que, com os dois pés, seres lançado na geena, onde o seu verme não morre e o fogo não se apaga. E se o teu olho te leva a pecar, arranca-o. É melhor entrares no Reino de Deus com um só olho, do que, com os dois olhos, seres lançado na geena, onde o seu verme não morre e o fogo não se apaga; pois todos serão salgados com fogo.” (Marcos 9,45-49)

Também é frequente o uso de expressões como “fogo que não se apaga”, “forno de fogo”, “suplício eterno”, “ser lançados nas trevas exteriores”, “ranger de dentes” para se referir às penas do inferno.

“Em sua mão está a pá, e ele limpará completamente a sua eira: recolherá o trigo no celeiro, mas queimará a palha com fogo que não se apaga.” (Mateus 3,12)

“…enquanto os filhos do Reino serão lançados nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes.” (Mateus 8,12)

e os lançarão no forno de fogo; ali haverá choro e ranger de dentes…. e os lançarão no forno de fogo; ali haverá choro e ranger de dentes.” (Mateus 13,42.50)

“Então o rei disse aos servos: ‘Amarrai-o de pés e mãos, e lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes.’” (Mateus 22,13)

“Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: ‘Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos.’” (Mateus 25,41)

“E se a tua mão te leva a pecar, corta-a. É melhor entrares na Vida aleijado, do que, com as duas mãos, ires para a geena, para o fogo que não se apaga.” (Marcos 9,43)

“Pois é justo diante de Deus retribuir com tribulação aqueles que vos afligem, e a vós, os aflitos, com descanso junto connosco, quando o Senhor Jesus se manifestar desde o céu com os seus poderosos anjos, em meio a uma chama de fogo, para tomar vingança daqueles que não conhecem a Deus e dos que não obedecem ao Evangelho de nosso Senhor Jesus. Estes sofrerão a pena de uma ruína eterna, afastados da presença do Senhor e da glória do seu poder.” (2 Tessalonicenses 1,6-9)

“Porque, se voluntariamente pecarmos depois de termos recebido o conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados, mas uma terrível expectativa de juízo e o fogo ardente prestes a devorar os rebeldes.” (Hebreus 10,26-27)

“Mas os covardes, os incrédulos, os abomináveis, os assassinos, os impuros, os feiticeiros, os idólatras e todos os mentirosos terão a sua parte no lago que arde com fogo e enxofre, que é a segunda morte.” (Apocalipse 21,8)

“E o diabo, o seu sedutor, foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde estão também a Besta e o falso profeta, e serão atormentados dia e noite pelos séculos dos séculos.” (Apocalipse 20,10)

A parábola de Lázaro e o rico ensina como aqueles que foram reprovados sofrerão tormentos de forma eterna e irrevogável.

As penas do inferno: Pena de dano e de sentido

O Catecismo da Igreja Católica ensina que “a pena principal do inferno consiste na separação eterna de Deus, em quem unicamente o homem pode ter a vida e a felicidade para as quais foi criado e às quais aspira”. Esta separação eterna de Deus, ou suplício de privação, é causada pelo afastamento voluntário de Deus, que se concretiza pela morte em pecado mortal, e é chamada de “pena de dano”.

É a pena principal do inferno porque implica a perda definitiva da visão beatífica. Os condenados estão irrevogavelmente separados de Deus, e a esta separação se referem textos como Mateus 25,41: “Apartai-vos de mim, malditos…”, ou 2 Tessalonicenses 1,9: “Estes sofrerão a pena de uma ruína eterna, afastados da presença do Senhor e da glória do seu poder”.

A pena de sentido refere-se, por sua vez, ao tormento dos condenados causado externamente por meios sensíveis. A este tormento referem-se textos bíblicos como Apocalipse 20,10: “serão atormentados dia e noite pelos séculos dos séculos” ou “ali haverá choro e ranger de dentes”. A Igreja ensina que este suplício sensível atormenta atualmente os demônios e as almas dos condenados e atormentará também os corpos dos condenados após a ressurreição, sem consumi-los.

O inferno no ensinamento dos Padres da Igreja

A Igreja primitiva e os Padres da Igreja acreditavam não somente na doutrina da imortalidade da alma, mas também na condenação eterna dos condenados (com exceção de Orígenes e alguns de seus seguidores, que erraram ao pensar que as penas do inferno eram temporárias, e de alguns hereges gnósticos, que afirmavam que os que não se salvassem seriam aniquilados — curiosamente, o que hoje acreditam as Testemunhas de Jeová e os Adventistas).

Já os primeiros símbolos de fé afirmavam a existência da condenação eterna, como o Símbolo de Atanásio, também chamado Quicumque, no qual se diz: “os que fizeram o bem irão para a vida eterna, os que fizeram o mal, para o fogo eterno” (Lucas 16).

Apocalipse de Pedro

Um fragmento grego importante do apocalipse foi encontrado em Akhmim em 1886-1887 e seu conteúdo descreve visões que incluem a beleza do céu, o horror do inferno e os castigos aos quais os condenados são submetidos: “E havia um grande lago, cheio de lodo ardente, onde se encontravam alguns homens que se haviam afastado da justiça; e os anjos encarregados de atormentá-los estavam sobre eles”.

Inácio de Antioquia (? – 107 d.C.)

São Inácio fala sobre como aqueles que morrem na impureza irão para o fogo inextinguível:

“Não vos iludais, meus irmãos. Os que corrompem uma família não herdarão o Reino de Deus. Ora, se os que cometem esse pecado segundo a carne merecem a morte, quanto mais aquele que corrompe, com sua má doutrina, a fé de Deus, pela qual Jesus Cristo foi crucificado! Esse tal, tornado impuro, irá para o fogo inextinguível, e, assim como ele, quem quer que o escute. A razão, justamente, pela qual o Senhor consentiu em receber unguento sobre sua cabeça, foi para infundir incorrupção na Igreja. Não vos deixeis ungir pelo pestilento unguento da doutrina do príncipe deste mundo, para que não sejais levados cativos para longe da vida que nos foi proposta como galardão. Mas, como é que não nos tornamos todos prudentes, depois de termos recebido o conhecimento de Deus, que é Jesus Cristo? Por que perecemos tolamente, por desconhecermos o dom da graça que nos foi verdadeiramente enviado pelo Senhor?”1

Justino Mártir (100 – 168 d.C.)

Mártir da fé cristã por volta do ano 165 (decapitado), é considerado o maior apologista do século II.

“Porque entre nós, o príncipe dos maus demônios é chamado serpente e Satanás e diabo ou caluniador, como podeis verificar, se quiserdes, em nossas escrituras; e que ele e todo o seu exército, juntamente com os homens que o seguem, serão enviados ao fogo para serem castigados por uma eternidade sem fim, foi algo anunciado de antemão por Cristo.”2

“E não se nos oponha o que costumam dizer os que se consideram filósofos, que o que afirmamos sobre o castigo que os iníquos sofrerão no fogo eterno não passa de ruído e espantalhos.”3

Martírio de Policarpo (155 d.C.)

É uma carta da Igreja de Esmirna à comunidade de Filomélio, onde se narra o martírio de São Policarpo, discípulo direto do Apóstolo São João e bispo de Esmirna.

“E sustentados pela graça de Cristo, desprezavam os tormentos terrenos, pois pelo sofrimento de uma só hora compravam a vida eterna. O próprio fogo dos inumanos atormentadores lhes parecia refrescante, pois tinham diante dos olhos o evitar do fogo eterno e que jamais se extingue, e com os olhos do coração já contemplavam os bens reservados àqueles que resistem corajosamente.”4

Discurso a Diogneto

É um breve tratado apologético dirigido a alguém chamado Diogneto, que aparentemente havia perguntado sobre algumas coisas que lhe chamavam a atenção sobre as crenças e o modo de vida dos cristãos. É de autor desconhecido e estima-se que tenha sido composto no final do século II.

“Então, estando na terra, contemplarás que Deus exerce seu governo nos céus; então começarás a falar dos mistérios de Deus; então amarás e admirarás os que são torturados por não querer negar a Deus; então condenarás o engano e o erro do mundo, quando conheceres a verdadeira vida do céu, quando desprezares o que aqui parece ser a morte, quando temeres a verdadeira morte reservada aos condenados ao fogo eterno, castigo definitivo daqueles que forem entregues. Então admirarás e considerarás bem-aventurados os que suportam o fogo terreno por causa da justiça, quando conheceres aquele fogo…”5

Atenágoras de Atenas (Século II)

“Porque, se acreditássemos que não viveríamos mais do que a vida presente, poderíamos suspeitar que pecaríamos, submetidos à servidão da carne e do sangue, ou dominados pelo lucro e pelo desejo; mas, sabendo como sabemos que Deus vigia nossos pensamentos e nossas palavras de noite como de dia, e que Ele é toda luz e vê até o mais íntimo do nosso coração, acreditamos que, ao sairmos desta vida, viveremos outra melhor, com a condição de que permaneçamos com Deus e por Deus inabaláveis e superiores às paixões, com alma não carnal, mesmo na carne, mas com espírito celestial; ou, caindo como os demais, nos espera uma vida pior no fogo (porque Deus não nos criou como rebanhos ou bestas de carga, de passagem, e apenas para morrer e desaparecer); com essa fé, dizemos, não é lógico que nos entreguemos voluntariamente ao mal e nos lancemos a nós mesmos nas mãos do grande juiz para sermos castigados.”6

Ireneu de Lyon (130 – 202 d.C.)

“No Novo Testamento cresceu a fé dos seres humanos em Deus, ao receberem o Filho de Deus como um bem adicional, a fim de que o homem participasse de Deus. De modo semelhante, incrementou-se a perfeição da conduta humana, pois nos é ordenado abster-nos não apenas das más obras, mas também dos maus pensamentos, das palavras ociosas, das expressões vãs e dos discursos licenciosos: dessa forma, ampliou-se também o castigo daqueles que não acreditam na Palavra de Deus, que desprezam sua vinda e se afastam, pois já não será temporário, mas eterno. A tais pessoas o Senhor dirá: «Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno», e serão condenados para sempre. Mas também dirá a outros: «Vinde, benditos de meu Pai, recebei em herança o reino preparado para vós desde sempre», e estes receberão o Reino, no qual terão um progresso perpétuo. Isso mostra que um e o mesmo é Deus Pai, e que seu Verbo está sempre ao lado do gênero humano, com diversas Economias, realizando diversas obras, salvando os que foram salvos desde o princípio — ou seja, aqueles que amam a Deus e, conforme sua capacidade, seguem a sua Palavra — e julgando os que se condenam, ou seja, os que se esquecem de Deus, blasfemam e transgridem a sua Palavra.”7

Tertuliano (160 d.C. – 220 d.C.)

Quando escreve De paenitentia (aproximadamente no ano 203 d.C., ainda sendo católico), fala aqui de uma segunda penitência que Deus “colocou no vestíbulo para abrir a porta àqueles que baterem, mas somente uma vez, porque esta já é a segunda”. No entanto, para aqueles que rejeitam essa penitência, ele descreve a condenação eterna no inferno, castigo dos que não quiseram arrepender-se e confessar seus pecados.

“Se recusas a penitência pública, medita em teu coração sobre a geena que para ti será extinguida mediante a penitência. Imagina primeiro a gravidade da pena, para que não hesites em aceitar o remédio. Como devemos considerar esta caverna do fogo eterno, quando através de algumas de suas chaminés se produzem tais erupções de vigorosas chamas, que fizeram desaparecer as cidades próximas ou estão à espera de que isso lhes aconteça a qualquer dia? Montes altíssimos saltam em pedaços por causa do fogo que encerram, e para nós é um indício da perpetuidade desse fogo o fato de que, por mais que essas erupções quebrem e destrocem as montanhas, essa atividade nunca cessa. Quem, diante dessas comoções dos montes, poderá deixar de considerá-las como um indício do julgamento ameaçador? Quem poderá pensar que tais labaredas não sejam uma espécie de armas arremessadas que provêm de um fogo colossal e indescritível?”8

Cipriano de Cartago (200 – 258 d.C.)

“Que glória para os fiéis haverá então, que castigo para os não crentes, que dor para os infiéis por não terem querido crer outrora neste mundo e por não poderem agora voltar atrás e crer. A geena, sempre em chamas, e um fogo devorador consumirão aqueles que para lá forem, e seus tormentos não terão descanso nem fim em momento algum. As almas serão conservadas com os corpos para sofrerem suplícios intermináveis. Lá veremos sempre aquele que aqui nos olhou por um tempo, e o breve prazer que tiveram os olhos cruéis nas perseguições será contrabalançado pelo espetáculo sem fim, conforme o testemunho da Sagrada Escritura, quando diz: ‘Seu verme não morrerá, e seu fogo não se extinguirá, e servirão de espetáculo a todos os homens’. Então, será inútil o arrependimento, vãos os gemidos e sem eficácia as súplicas. Tarde crêem na pena eterna os que não quiseram crer na vida eterna.”9

Basílio de Cesareia (329 – 379 d.C.)

“É evidente que as obras são a causa de alguém acabar sendo condenado ao suplício, pois somos nós mesmos que nos preparamos para ser merecedores da combustão, de modo que os vícios da alma são como faíscas de fogo que produzimos para acender as chamas da geena, como no caso daquele rico que se queimava no fogo dos próprios prazeres que o consumiam.

De fato, a intensidade do fogo devorador será maior ou menor, conforme os dardos lançados sobre cada um pelo maligno.”10

“…não está presente no inferno quem louve, nem no sepulcro quem se lembre de Deus, porque também não está presente o auxílio do Espírito. Como se pode, então, pensar que o julgamento se efetua sem o Espírito Santo, sendo que a Palavra mostra que Ele mesmo será também a recompensa dos justos quando, em vez das arras, se entregar a totalidade, e que será a primeira condenação dos pecadores quando lhes for tirado aquilo que pareciam ter?”11

Gregório Nazianzeno (329 – 390 d.C.)

“Conheço o tremor, a agitação, a inquietude e a angústia do coração, a vacilação dos joelhos e outros sofrimentos semelhantes com que os ímpios são castigados. Vou dizer, de fato, que os ímpios são entregues aos tribunais da outra vida pela justiça parcimoniosa deste mundo, de modo que é preferível ser castigado e purificado agora, do que ser remetido aos suplícios do além, quando já for o tempo do castigo e não da purificação.”12

Gregório de Nissa (331 – 394 d.C.)

Gregório de Nissa também fala repetidamente do “fogo inextinguível” e da imortalidade do “verme”.

“E a vida dolorosa dos pecadores também não tem comparação com as sensações dos que sofrem aqui. Mas, mesmo que se aplique a algum castigo de lá o nome com que é conhecido aqui, a diferença não é pequena.

De fato, ao ouvir a palavra fogo, você aprendeu a pensar em algo diferente do fogo de cá, porque nele há uma qualidade que não existe neste: aquele, efetivamente, não se extingue, enquanto este de cá pode ser extinto pelos muitos meios que a experiência ensina, e a diferença é grande entre um fogo que se apaga e outro que é inextinguível.

Portanto, é outro fogo, e não o mesmo que o de cá. E também quando alguém ouve a palavra verme, que pela semelhança do nome não se deixe levar a pensar neste pequeno animal terrestre, porque o acréscimo do qualificativo «eterno» implica que se deve pensar em outra natureza diferente da que conhecemos.”13

Jerónimo (340 – 420 d.C.)

“Muitos dizem que no futuro não haverá suplícios pelos pecados nem se aplicarão castigos que venham de fora, mas que a pena consistirá no próprio pecado e na consciência do delito, não morrendo o verme no coração e ardendo o fogo na alma, de modo semelhante à febre, que não atormenta o enfermo desde fora, mas que, apoderando-se dos corpos, castiga sem empregar nenhum instrumento externo de tortura. Essas persuasões são laços fraudulentos, palavras vãs e sem valor, que deleitam como flores os pecadores, mas que lhes infundem uma confiança que os conduz aos suplícios eternos.”14

João Crisóstomo (347 – 407 d.C.)

São João Crisóstomo dá uma explicação detalhada da diferença entre a pena de dano e a pena de sentido, e de como a primeira é a principal pena do inferno por implicar a separação definitiva de Deus.

“A dupla pena do inferno: O fogo e a privação de Deus

Aparentemente, aqui não há mais do que um único castigo, que é ser queimado pelo fogo; no entanto, se o examinarmos cuidadosamente, veremos que são dois, porque quem é queimado é ao mesmo tempo desterrado para sempre do Reino de Deus. E esse castigo é mais grave do que o primeiro. Já sei que muitos só temem o fogo do inferno, mas eu não hesito em afirmar que a perda da glória eterna é mais amarga do que o próprio fogo. Agora, que isso não possamos expressar com palavras, não é estranho, pois também não conhecemos a natureza dos bens eternos para podermos compreender plenamente a desgraça de sermos privados deles… Certamente, o inferno e o castigo que lá se padece são insuportáveis. No entanto, ainda que me apresentes mil infernos, nada me dirás que seja comparável à perda daquela glória bem-aventurada, à desgraça de ser aborrecido por Cristo, de ter que ouvir de sua boca ‘não te conheço’. Que ele nos acuse de que o vimos com fome e não lhe demos de comer. Seria melhor que mil raios nos queimassem, do que ver aquele rosto manso nos rejeitar, e que aqueles olhos serenos não suportem nos olhar.”15

Agostinho de Hipona (354 – 430 d.C.)

“Ouviste no Evangelho que há duas vidas: uma presente e outra futura. A presente possuímos; na futura cremos. Estamos na presente; à futura ainda não chegamos. Enquanto vivemos a presente, façamos méritos para adquirir a futura, pois ainda não morremos. Acaso se lê o Evangelho nos infernos? Se de fato fosse assim, em vão o ouviria aquele rico, porque já não poderia haver penitência frutuosa. A nós, o Evangelho é lido aqui e aqui o ouvimos, onde, enquanto vivemos, podemos ser corrigidos para não chegarmos àqueles tormentos.”16

“Pelo que acontece aqui, o entendimento humano pode fazer uma ideia do que nos está reservado no porvir. No entanto, que grande desproporção! Vive, não quer morrer; daí o amor à vida interminável, ao querer viver, ao não querer morrer nunca. Contudo, aqueles que tiverem que ir às torturantes penas do inferno desejarão morrer e não poderão.”17

Gregório I Magno (540 – 604 d.C.)

“Se aos bons as coisas vão mal e aos maus bem, talvez isso se deva ao fato de que os bons, se pecaram em algo, recebem aqui o castigo para serem plenamente livres da condenação eterna, enquanto os maus encontram aqui a recompensa pelo bem feito nesta vida, para que na futura só sofram tormentos.”18

Definições do Magistério da Igreja

No Concílio Lateranense IV (ano 1215), define-se a existência do inferno e a eternidade das penas. O mesmo ocorre nos Concílios de Lyon II (ano 1274) e Florença (ano 1439), onde se declara que a condenação eterna começa imediatamente após a morte.

Na Bula Benedictus Deus (ano 1336) lemos: “Definimos que, segundo a disposição geral de Deus, as almas daqueles que morrem em pecado mortal atual descem, após sua morte, ao inferno, onde são atormentadas com penas infernais.”

O Magistério recente confirmou expressamente a doutrina da Igreja sobre o inferno no Concílio Vaticano II, em sua Constituição Dogmática sobre a Igreja, que nos exorta a vigiar para entrar na vida e evitar o castigo eterno: “E como não sabemos nem o dia nem a hora, por aviso do Senhor, devemos vigiar constantemente para que, terminado o único prazo de nossa vida terrena (cf. Hb 9,27), se quisermos entrar com Ele nas núpcias, mereçamos ser contados entre os escolhidos (cf. Mt 25,31-46); não aconteça que, como aqueles servos maus e preguiçosos (cf. Mt 25,26), sejamos lançados no fogo eterno (cf. Mt 25,41), nas trevas exteriores onde haverá ‘choro e ranger de dentes’ (Mt 22,13-25,30).”

O mesmo afirmou o Papa Paulo VI: “Aqueles que rejeitaram (o amor e a piedade de Deus) até o fim serão destinados ao fogo que nunca cessará.”19

Notas de rodapé

  1. Inácio de Antioquia, Carta aos efésios 16-17
    Daniel Ruiz Bueno, Padres Apostólicos, Biblioteca de Autores Cristianos 65, Quinta Edição, Madrid 1985, p. 456-457
  2. Justino Mártir, Apologia I, 28,1
    Daniel Ruiz Bueno, Padres Apologetas Griegos, Biblioteca de Autores Cristianos 116, Terceira Edição, Madrid 1996, p. 211-212
  3. Justino Mártir, Apologia II, 9,1
    Ibid., p. 271
  4. Martírio de Policarpo 2, 3-4
    Daniel Ruiz Bueno, Padres Apostólicos, Biblioteca de Autores Cristianos 65, Quinta Edição, Madrid 1985, p. 673-674
  5. Discurso a Diogneto, 10,7-8
    Guillermo Pons, El más allá en los Padres de la Iglesia, Editorial Ciudad Nueva, Madrid 2001, p. 109
  6. Atenágoras, Legação a favor dos cristãos, 31
    Daniel Ruiz Bueno, Padres Apologetas Griegos, Biblioteca de Autores Cristianos 116, Terceira Edição, Madrid 1996, p. 701-702
  7. Ireneu de Lyon, Contra as heresias IV,28,2
  8. Tertuliano, De la penitência 12
    Migne Patrologia Latina, Paris 1848ss, 1,1247
    Guillermo Pons, El más allá en los Padres de la Iglesia, Editorial Ciudad Nueva, Madrid 2001, p. 110-111
  9. Cipriano, A Demetriano 24
    Julio Campos, Obras de San Cipriano. Tratados. Cartas, Biblioteca de Autores Cristianos 241, Madrid 1964, p. 292-293
  10. Basílio de Cesareia, Comentário a Isaías 1,64
    Migne Patrologia Graeca, 161 vols., Paris 1875ss, 30,229
    Guillermo Pons, El más allá en los Padres de la Iglesia, Editorial Ciudad Nueva, Madrid 2001, p. 112
  11. Basílio de Cesareia, O Espírito Santo, 16,40
    Azzali-Argimiro Velasco, Basílio de Cesareia, O Espírito Santo, Biblioteca de Patrística 32, Ciudad Nueva, Madrid 1996, p. 175-176
  12. Gregório Nazianzeno, Discursos 16,7
    Migne Patrologia Graeca, 161 vols., Paris 1875ss, 35,944
    Guillermo Pons, El más allá en los Padres de la Iglesia, Editorial Ciudad Nueva, Madrid 2001, p. 112-113
  13. Gregório de Nissa, La Gran Catequesis 40, 7-8
    Naldini-Argimiro Velasco, Gregório de Nissa, La gran catequesis, Biblioteca de Patrística, Ciudad Nueva, Madrid 1993, p. 139
  14. Jerónimo, Comentário à Carta aos Efésios 3,5,6
    Migne Patrologia Latina, Paris 1848ss, 26, 522
  15. João Crisóstomo, Homilias sobre Mateus 23,8
    Daniel Ruiz Bueno, Obras de San Juan Crisóstomo, Tomo I, Biblioteca de Autores Cristianos 141, Segunda Edição (reimpressão), Madrid 2007, p. 489-491
  16. Agostinho de Hipona, Sermão, 113-A, 3:
    Obras Completas de San Agustín, Tomo X, Biblioteca de Autores Cristianos 441, Madrid 1983, p. 829
  17. Agostinho de Hipona, Sermão 127, 2: Biblioteca de Autores Cristianos 443, p. 106-107
  18. Gregório Magno, Livros Morais, V
    Rico, Gregório Magno, Livros Morais/1, Biblioteca de Patrística 42, Ciudad Nueva, Madrid 1998, p. 300
  19. Pablo VI, Profesión de fe, Acta Apostolicae Sedis 60 (1968) 444
Scroll to Top