A alma é imortal?

A Igreja ensina que cada alma espiritual é criada diretamente por Deus, não é “produzida” pelos pais, e é imortal, ou seja, não perece quando se separa do corpo na morte, e se unirá novamente ao corpo na ressurreição final.

Embora a doutrina da imortalidade da alma esteja claramente revelada nas Escrituras, existem seitas e denominações protestantes (Testemunhas de Jeová, Adventistas do Sétimo Dia, etc.) que, aderindo a uma interpretação equivocada da Bíblia, insistem em rejeitá-la.

Quais são os argumentos das seitas para negar a imortalidade da alma?

No caso das Testemunhas de Jeová, tomei um resumo da sua revista Despertai de 22 de outubro de 1982, na qual expõem os argumentos que utilizam para negar a imortalidade da alma.

“As Testemunhas de Jeová… acreditam que a alma humana é mortal, que os mortos não sentem absolutamente nada. A que se deve esta crença? …os escritores das Escrituras Hebraicas (Antigo Testamento) jamais, nem uma só vez, acrescentaram às palavras “néphesh” (palavra hebraica para “alma”) nem “rúahh” (palavra hebraica para “espírito”) a qualificação de “imortal”. Pelo contrário, ensinaram que a alma humana morre: “A alma que pecar, essa morrerá.” (Ezequiel 18,4.20, Versão Moderna; veja também Salmo 22,29; 78,50.) Diz-se que os mortos estão inconscientes: “Porque os vivos sabem que vão morrer, mas os mortos não sabem nada, e já não há recompensa para eles… Tudo o que estiver ao teu alcance fazer, faze-o com as tuas forças, porque não haverá obra, nem raciocínio, nem ciência, nem sabedoria no sheol [sepulcro comum da humanidade] para onde te encaminhas.” — Eclesiastes 9,5.10, Bíblia de Jerusalém. As Escrituras Gregas (Novo Testamento) apresentam o mesmo ponto de vista sobre a alma e a morte. Jesus disse que Deus “pode destruir tanto a alma como o corpo.” Portanto, se a alma pode ser destruída, não pode ser imortal. (Mateus 10,28) A respeito de Jesus, o Apóstolo Pedro declarou: “Qualquer alma que não escute aquele Profeta será completamente destruída.” (Atos 3,23) Jesus também mostrou que os mortos estão inconscientes, pois comparou a morte a ‘um sono que traz descanso.’ (João 11,11-14) Isso está em harmonia com o que qualquer pessoa que assista a um funeral pode facilmente discernir ao ver o corpo do falecido.

Segundo o relato da criação registrado em Gênesis 2,7, Adão foi formado do pó da terra e “o homem veio a ser uma alma vivente.” Portanto, a Bíblia frequentemente usa a expressão “sua alma” para se referir à pessoa “mesma”.”1

Partindo deste breve resumo, podemos desmembrar seus argumentos para estudá-los um por um.

Argumento 1: Os mortos não têm consciência de nada

“Porque os vivos sabem que vão morrer, mas os mortos não sabem nada, e já não há recompensa para eles, pois a sua memória se perdeu. Tanto o seu amor, como o seu ódio, como os seus ciúmes, há muito pereceram, e nunca mais tomarão parte em tudo o que acontece debaixo do sol.” (Eclesiastes 9,5-6)

As Testemunhas de Jeová tomaram este texto bíblico literalmente e fora de contexto para afirmar que, quando uma pessoa morre, ela não tem consciência de nada; portanto, não há uma alma imortal que a sobreviva. Do ponto de vista deles, quando uma pessoa morre, ela deixa de existir e apenas “permanece na memória de Jeová”. Mas, para entender por que as Testemunhas de Jeová chegaram a essa conclusão, é necessário compreender a sua forma de interpretar as Escrituras. Provavelmente, a principal dificuldade reside em não entender que a Revelação Divina foi progressiva. Não deveria nos surpreender o fato de não encontrarmos nenhuma referência à ressurreição em todo o Pentateuco (as primeiras menções estão em Isaías 26,19 e Daniel 12, e até mesmo nos tempos de Jesus os saduceus a rejeitavam), pois, naquela época, isso ainda não havia sido revelado. A própria revelação do Messias como Filho de Deus e Deus encarnado não é tão clara no Antigo Testamento como é no Novo Testamento. Muitos exemplos poderiam ser citados, mas certamente qualquer leitor cuidadoso poderá notar, sem muita dificuldade, esse desenvolvimento da Revelação à medida que avança na leitura das páginas da Bíblia, o que implica que houve momentos na história em que o conhecimento de certas verdades era parcial e limitado, e foi aumentando progressivamente.

O mesmo aconteceu com a compreensão do povo de Deus em relação ao seu conhecimento do além e, sobretudo, em relação à recompensa ou sanção de cada um. Assim, para o autor do Eclesiastes, como para os autores dos livros sagrados anteriores, não há um conhecimento claro de recompensa ou punição, exceto pelos bens e males da vida presente. Parece, sim, vislumbrar que Deus julgará as ações do justo e do ímpio (Eclesiastes 3,17; 11,9; 12,14), mas sem conhecer a natureza da recompensa.

Dessa forma, é fácil entender que o autor não está questionando a imortalidade da alma e a retribuição futura, mas sim as ignora, e, por isso, compara a condição dos vivos com a dos mortos conforme suas concepções sobre o Seol (lugar onde, antes da ressurreição de Cristo, as almas descansavam e onde não participavam mais do mundo dos vivos).

Podem ser encontrados textos ao longo de todo o livro que confirmam isso: “Quem sabe se o fôlego de vida dos humanos sobe para cima e se o fôlego de vida dos animais desce para baixo, à terra?” (Eclesiastes 3,21). O próprio autor reconhece aqui não saber o que acontece com o fôlego de vida dos humanos e se ele se diferencia do dos animais.

Em outra parte, ele escreve: “Porque o homem e o animal têm a mesma sorte: morre um como o outro; ambos têm o mesmo fôlego de vida. Em nada o homem leva vantagem sobre o animal…” (Eclesiastes 3,19), textos que indicam que o autor fala a partir do que conhece e do que até aquele momento havia sido revelado. No entanto, as Testemunhas de Jeová sustentam toda a sua doutrina em textos do Antigo Testamento, quando a Revelação estava em pleno progresso, e são obrigadas a distorcer todos os textos claros do Novo Testamento que se opõem à sua interpretação.

O mais contraditório de sua teologia é que, ao interpretar Eclesiastes 9,5-6 da forma que fazem, deveriam concluir que também não há recompensa futura, já que o texto afirma que para os mortos “já não há recompensa para eles”, embora saibamos que “o Filho do homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos, e então recompensará cada um segundo as suas obras” (Mateus 16,27).

Argumento 2: A alma que pecar morrerá

“Minhas são todas as almas; tanto a alma do pai como a do filho, minhas são, e a alma que pecar, essa morrerá.” (Ezequiel 18,4)

De alguma forma, as Testemunhas de Jeová optaram por interpretar este texto como se referisse à aniquilação ou destruição da alma. Talvez, aqui, a principal dificuldade seja a falta de compreensão em relação ao significado da palavra morte na Bíblia, que em alguns casos se refere à separação da alma e do corpo (morte física), mas em outros casos, à separação do homem de Deus por causa do pecado (morte espiritual).

Alguns textos onde a morte faz referência à separação da alma e do corpo:

“E ao exalar a alma, pois estava moribunda, chamou-o Ben-‘oní; mas seu pai chamou-o Benjamim.” (Génesis 35,18)

“Para mim, o viver é Cristo, e o morrer, um ganho. Mas, se o viver na carne significa para mim trabalho frutuoso, não sei o que escolher… Sinto-me pressionado entre as duas coisas: de um lado, desejo partir e estar com Cristo, o que é, sem dúvida, muito melhor; mas, por outro lado, permanecer na carne é mais necessário por causa de vós.” (Filipenses 1,21-24)

No texto anterior, São Paulo está consciente de que, ao morrer, partirá do seu corpo para estar com Cristo; prefere, no entanto, permanecer ainda na carne, mas por causa da evangelização. O texto seguinte é ainda mais explícito:

“Assim, pois, estamos sempre cheios de bom ânimo, sabendo que, enquanto habitamos no corpo, vivemos longe do Senhor, pois caminhamos na fé e não na visão… Estamos, pois, cheios de bom ânimo e preferimos sair deste corpo para viver com o Senhor. Por isso, quer habitando no corpo, quer fora dele, nos esforçamos para agradá-Lo.” (2 Coríntios 5,6-9)

Este texto é suficiente para desmontar toda a teologia das Testemunhas de Jeová e dos adventistas, pois fala explicitamente sobre como se pode viver no corpo e fora dele, e que, em ambos os estados, podemos nos esforçar para agradar a Deus.

Alguns textos onde a morte faz referência à separação do homem de Deus por causa do pecado:

“E a vós, que estáveis mortos em vossos delitos e pecados.” (Efésios 2,1)

“…estando nós mortos por causa dos nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo — pela graça sois salvos.” (Efésios 2,5)

“E a vós, que estáveis mortos em vossos delitos e na incircuncisão da vossa carne, vos deu vida juntamente com ele e perdoou todos os nossos delitos.” (Colossenses 2,13)

É por isso que não é coerente interpretar Ezequiel 18,4 como uma aniquilação da existência da alma, mas, pelo contrário, o que realmente significa: um estado em que esta fica afastada de Deus por toda a eternidade.

“Porque é próprio da justiça de Deus retribuir com tribulação aos que vos atribulam, e a vós, os atribulados, com descanso junto conosco, quando o Senhor Jesus se revelar desde o céu com seus poderosos anjos, em meio a uma chama de fogo, e tomar vingança dos que não conhecem a Deus e dos que não obedecem ao Evangelho de nosso Senhor Jesus. Estes sofrerão a pena de uma ruína eterna, afastados da presença do Senhor e da glória do seu poder.” (2 Tessalonicenses 1,6-9)

“Ali haverá choro e ranger de dentes, quando virdes Abraão, Isaac e Jacó e todos os Profetas no Reino de Deus, enquanto a vós vos lançam fora.” (Lucas 13,28)

Outras referências à morte da alma, não como uma aniquilação definitiva, mas como uma separação do homem de Deus, encontram-se no Apocalipse, onde se fala da segunda morte:

“E digo-vos que virão muitos do oriente e do ocidente e se sentarão à mesa com Abraão, Isaac e Jacó no Reino dos Céus, enquanto os filhos do Reino serão lançados nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes.” (Mateus 8,12)

“Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas: o vencedor não sofrerá o dano da segunda morte.” (Apocalipse 2,11)

“Mas, quanto aos covardes, aos incrédulos, aos abomináveis, aos assassinos, aos impuros, aos feiticeiros, aos idólatras e a todos os mentirosos, a sua parte será no lago que arde com fogo e enxofre, que é a segunda morte.” (Apocalipse 21,8)

“E o Diabo, o seu sedutor, foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde estão também a Besta e o falso profeta, e serão atormentados dia e noite, pelos séculos dos séculos.” (Apocalipse 20,10)

Ao ler cuidadosamente esses textos, é possível perceber que a segunda morte (chamada assim justamente por ser a morte da alma) que sofrerão os condenados junto com o Diabo, a Besta e o falso profeta implicará não apenas em serem afastados de Deus por toda a eternidade (pena de dano), mas também em uma espécie de tormento eterno (pena de sentido).

“Muitos dos que dormem no pó da terra despertarão, uns para a vida eterna, outros para o opróbrio, para o horror eterno.” (Daniel 12,2)

Em absolutamente todos os textos que falam sobre o destino final dos condenados (Mateus 8,12; 13,42; 24,51; 25,30; Lucas 13,28), encontramos o mesmo: a morte da alma é um estado de separação definitiva de Deus, e nunca se fala de uma destruição ou cessação da existência.

Nota: As Testemunhas de Jeová afirmam que somente os justos ressuscitarão. Segundo a sua perspectiva, isso faz sentido, pois não teria lógica que os injustos ressuscitassem apenas para serem destruídos novamente. No entanto, observe que isso contradiz o que o profeta Daniel já havia profetizado no texto que acaba de ser citado (Daniel 12,2).

Argumento 3: Jesus disse que Deus “pode destruir tanto a alma como o corpo”. Portanto, se a alma pode ser destruída, ela não pode ser imortal (Mateus 10,28).

Aqui, o erro das Testemunhas de Jeová é, novamente, interpretar essa morte da alma como uma aniquilação. Seu argumento é que o texto grego utiliza a palavra ἀπόλλυμι (apólumi), que traduzem e interpretam literalmente como destruir. O dicionário de grego Strong nos fornece o seguinte significado:

G622

ἀπόλλυμι (apólumi)

de G575 e a base de G3639; destruir completamente (reflexivamente perecer, ou perder), literal ou figurativamente: destruir, matar, morrer, perder, perdido, perecível, perecer.

Não há razão alguma para interpretar, nesse texto, a palavra apólumi como uma aniquilação ou destruição literal da alma. O contexto do próprio texto não apenas rejeita essa ideia, como também serve para refutá-la.

“«E não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma; temei antes Aquele que pode levar à perdição alma e corpo na geena.»” (Mateus 10,28)

Dado que os adventistas e as Testemunhas de Jeová não acreditam na imortalidade da alma, como poderia algo matar somente o corpo e não matar a alma? Lembre-se que eles afirmam que não existe alma que sobreviva ao corpo, e que, ao morrer o corpo, a alma também morre. No entanto, não é isso que Jesus diz aqui, mas sim o contrário. Um acidente ou qualquer evento natural pode matar o corpo sem matar a alma, por isso Jesus nos exorta a não temer isso, mas sim Aquele que pode matar ambos. Assim, o contexto de morte ou destruição da alma mencionado aqui não é uma aniquilação, mas sim um estado de morte espiritual definitiva.

Evidências bíblicas a favor da imortalidade da alma

Evidência 1: A promessa feita ao bom ladrão

Certamente todos nos lembramos do que aconteceu com o bom ladrão quando Jesus foi crucificado:

“E um dos malfeitores que estavam pendurados injuriava-o, dizendo: «Se tu és o Cristo, salva-te a ti mesmo e a nós.» Mas o outro, respondendo, repreendeu-o, dizendo: «Nem ao menos temes a Deus, estando na mesma condenação? Nós, na verdade, com justiça, porque recebemos o que mereceram os nossos feitos; mas este nenhum mal fez.» E disse a Jesus: «Senhor, lembra-te de mim quando vieres no teu Reino.» Então Jesus lhe disse: «Em verdade te digo, que hoje estarás comigo no paraíso.»” (Lucas 23,39-43)

O interessante desse acontecimento é que Jesus promete ao bom ladrão que ele estaria naquele dia com Ele no paraíso. Mas como isso poderia acontecer se a alma não sobrevive ao corpo? Dado que esse simples texto desmoronaria instantaneamente toda a teologia das Testemunhas de Jeová e dos adventistas, eles inventaram um argumento bastante original para justificar-se, que consiste em alegar que, como naquela época não existiam os sinais de pontuação, o que Jesus quis dizer foi: “Eu te asseguro hoje, estarás comigo no paraíso” (observe onde colocam a vírgula) ou, em outras palavras: “Eu te asseguro hoje, que algum dia estarás comigo no paraíso” (a posição de uma vírgula pode mudar todo o sentido de uma frase).

O problema desse argumento é que essa forma de expressão era completamente estranha à maneira de falar de Jesus registrada em todo o Novo Testamento. Quando Jesus utilizava a expressão “em verdade te digo” (outras traduções trazem “eu te asseguro”, etc.), Ele nunca a utilizava dessa maneira. Há dezenas de exemplos, alguns dos quais podemos mencionar:

Em verdade, em verdade te digo: Quando eras mais jovem, cingias-te e andavas onde querias; mas, quando fores velho, estenderás as mãos, e outro te cingirá, e te levará para onde não queres.” (João 21,18)

Em verdade te digo, que não sairás dali, até que pagues o último centavo.” (Mateus 5,26)

“Respondeu-lhe Jesus, e disse: Em verdade, em verdade te digo, que se alguém não nascer de novo, não pode ver o Reino de Deus.” (João 3,3)

“Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo, que se alguém não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no Reino de Deus.” (João 3,5)

Em verdade, em verdade te digo, que o que sabemos, falamos, e o que temos visto, testificamos; e não aceitais o nosso testemunho.” (João 3,11)

“Jesus lhe respondeu: Tu darás a tua vida por mim? Em verdade, em verdade te digo: Não cantará o galo, até que me tenhas negado três vezes.” (João 13,38)

Em todas essas ocasiões, Jesus nunca diz “Em verdade te digo HOJE”, mas apenas e de maneira muito solene “Em verdade te digo”.

Nas únicas ocasiões em que Jesus utilizou a palavra “hoje” nesse tipo de expressões foi para afirmar que esse acontecimento ocorreria naquele mesmo dia.

“E Jesus lhe disse: Em verdade te digo que tu, hoje, nesta noite, antes que o galo cante duas vezes, me negarás três vezes.” (Marcos 14,30)

Aqui, nenhum adventista nem Testemunha de Jeová se atreveria a dizer que Cristo estava dizendo “HOJE” que algum dia Pedro o negaria, pois sabemos que Cristo se referia ao fato de que Pedro o negaria AQUELE DIA.

Outros exemplos onde Jesus utilizou esse tipo de expressão sem jamais utilizar “HOJE” para reafirmar sua promessa ou ensinamento podem ser encontrados ao longo de todo o Evangelho (Mateus 3,9; 5,22; 5,28; 5,32; 5,34; 5,39; 5,44; 12,36; 19,9; 21,27; Lucas 4,25; 9,27; 11,9; 12,44; 16,9; 19,26; João 16,7).

As Testemunhas de Jeová e os adventistas também sustentam que o bom ladrão não poderia ter estado com Jesus naquele dia no paraíso, porque Jesus subiu ao Pai depois da ressurreição:

“Disse-lhe Jesus: «Não me toques, pois ainda não subi ao Pai; mas vai aos meus irmãos e dize-lhes: Subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus.»” (João 20,17)

A esta aparente contradição, comenta Santo Tomás de Aquino na Suma Teológica, Parte III, c.52.a.4:

“Cristo, para assumir em si mesmo as nossas penas, quis que o seu corpo fosse posto no sepulcro, assim como quis que a sua alma descesse ao inferno. Mas o seu corpo permaneceu no sepulcro um dia inteiro e duas noites para que se comprovasse a verdade da sua morte. Por isso, é de se acreditar que também a sua alma tenha estado outro tanto no inferno, a fim de que saíssem ao mesmo tempo a sua alma do inferno e o seu corpo do sepulcro.”

Mais adiante, continua:

“Cristo, ao descer ao inferno, libertou os santos que ali estavam, não os tirando imediatamente do lugar do inferno, mas iluminando-os com a luz da sua glória no próprio inferno. E, no entanto, foi conveniente que a sua alma permanecesse no inferno durante todo o tempo em que o seu corpo esteve no sepulcro.”

“Essas palavras do Senhor devem ser entendidas, não do paraíso terrestre corpóreo, mas do paraíso espiritual, no qual se diz que vivem os que gozam da vida divina. Por isso, o ladrão desceu localmente com Cristo ao inferno, para estar com Ele, uma vez que lhe disse: estarás comigo no paraíso; mas, em razão da recompensa, esteve no paraíso porque ali gozava da divindade, como os demais santos.”

Evidência 2: A parábola de Lázaro e o rico

“Era um homem rico que se vestia de púrpura e linho, e celebrava todos os dias esplêndidas festas. E um pobre, chamado Lázaro, que, deitado junto ao seu portão, coberto de chagas, desejava alimentar-se com o que caía da mesa do rico… Mas até os cães vinham e lhe lambiam as chagas. Aconteceu, pois, que o pobre morreu e foi levado pelos anjos ao seio de Abraão. O rico também morreu e foi sepultado. Estando no Hades, em meio a tormentos, levantou os olhos e viu de longe a Abraão e a Lázaro em seu seio. E, gritando, disse: «Pai Abraão, tem compaixão de mim e envia Lázaro para que molhe a ponta do seu dedo em água e refresque a minha língua, porque estou atormentado nesta chama.» Mas Abraão lhe disse: «Filho, lembra-te que recebeste os teus bens durante a tua vida e Lázaro, ao contrário, os seus males; agora, porém, ele é aqui consolado e tu atormentado. E além disso, entre nós e vós se interpõe um grande abismo, de modo que os que queiram passar daqui para vós, não podem; nem daí possam passar para cá.» Replicou: «Contudo, rogo-te, pai, que o envies à casa de meu pai, porque tenho cinco irmãos, para que lhes dê testemunho, e não venham também eles para este lugar de tormento.» Disse-lhe Abraão: «Têm Moisés e os Profetas; que os ouçam.» Ele disse: «Não, pai Abraão; mas se alguém dentre os mortos for até eles, se converterão.» Respondeu-lhe Abraão: «Se não ouvem Moisés e os Profetas, tampouco se convencerão, ainda que um morto ressuscite.»” (Lucas 16,19-31)

Aqui temos, da boca do próprio Jesus, uma parábola onde, a partir de personagens fictícios, nos explica uma situação real aplicável a cada um de nós: a recompensa ou castigo que receberemos de acordo com nossas obras.

Não se deve acreditar, como acreditam as seitas, que por ser uma parábola, não se encerra ali um ensinamento real. Seria bastante curioso que Jesus utilizasse uma parábola que aludisse à imortalidade da alma se realmente essa fosse uma doutrina pagã. Pois, se a alma fosse mortal, nada mais inapropriado do que utilizar uma parábola cuja interpretação reforçaria a concepção judaica da imortalidade da alma, quando Jesus perfeitamente poderia ter mudado um pouco a parábola, indicando que o rico simplesmente deixaria de existir após a sua morte, enquanto Lázaro seria recompensado ressuscitando no último dia.

Evidência 3: A transfiguração

“Seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, e os levou, a sós, a um monte alto. E transfigurou-se diante deles, e suas vestes tornaram-se resplandecentes, muito brancas, de modo que nenhum lavadeiro na terra seria capaz de branquear assim. E apareceu-lhes Elias com Moisés, e estavam conversando com Jesus.” (Marcos 9,2-4)

Aqui encontramos outro evento que derruba a teologia das seitas, pois, se a alma não sobrevive ao corpo, não se explica como Moisés e Elias puderam conversar com Jesus. É oportuno recordar que a morte de Moisés está claramente registrada nas Escrituras (Deuteronômio 34,5-6). Adicionalmente à transfiguração, temos o fato de que Samuel foi evocado pela feiticeira de Endor (Samuel, após a morte, é evocado por ordem de Saul) (1 Samuel 28,6-20). Tanto no caso de Samuel quanto no de Elias e Moisés, não se pode alegar que se trata de parábolas, tampouco de alucinações, e muito menos, como me comentou alguém de crenças adventistas em uma ocasião: que Samuel era um demônio e Moisés ressuscitou. No caso de Samuel, é a própria Escritura que claramente o identifica:

“A mulher perguntou: «A quem devo invocar para ti?» Respondeu: «Evoca-me a Samuel». A mulher então viu Samuel e lançou um grande grito. Disse a mulher a Saul: «Por que me enganaste? Tu és Saul!». O rei lhe disse: «Não temas, mas o que viste?» A mulher respondeu a Saul: «Vejo um espírito que sobe da terra». Saul lhe perguntou: «Que aparência tem?» Ela respondeu: «É um homem idoso que sobe, envolto em seu manto». Saul compreendeu que era Samuel e, caindo com o rosto em terra, prostrou-se. Samuel disse a Saul: «Por que me perturbas evocando-me?» Saul respondeu: «Estou em grande angústia; os filisteus fazem guerra contra mim, Deus se afastou de mim e já não me responde, nem pelos profetas nem em sonhos. Chamei-te para que me indiques o que devo fazer». Samuel disse: «Por que me consultas, se Yahveh se separou de ti e passou a outro? Yahveh te cumpriu o que disse pela minha boca: arrancou Yahveh o reino da tua mão e o deu a outro, a David».” (1 Samuel 28,11-17)

Observe-se que, nesse texto, é a Escritura que identifica a aparição como sendo Samuel, repetidamente indicando: “Saul compreendeu que era Samuel”, “Samuel disse a Saul”, “Disse Samuel”. Em nenhum momento se afirma que a aparição não era quem dizia ser, e ao narrar o fato, ela é identificada como Samuel. Atribuir a essa aparição a identidade de um demônio não passa de uma suposição que vai além do texto e que é aceita pelos adventistas e Testemunhas de Jeová com base em preconceitos em sua teologia. Também não há na Escritura qualquer alusão à ressurreição de Moisés. Os adventistas, em sua defesa, citam o seguinte texto bíblico:

“Por outro lado, o arcanjo Miguel, quando discutia com o diabo sobre o corpo de Moisés, não se atreveu a pronunciar contra ele um juízo injurioso, mas disse: ‘Que o Senhor te repreenda.’” (Judas 1,9)

Desse texto concluem que São Miguel disputava com Satanás o corpo de Moisés porque desejava ressuscitá-lo, contudo, novamente aqui nos deparamos com uma especulação que vai além do que o texto diz, pois em nenhuma parte se menciona a razão da disputa. Existem diferentes tradições que apresentam múltiplas explicações para esse fato. Uma tradição referida por Ecuménio2 narra que o diabo se opunha a um sepultamento honroso de Moisés por considerá-lo um assassino, já que havia matado um egípcio. Outra possível explicação é que Satanás queria usar o corpo de Moisés para levar o povo à idolatria. Em qualquer caso, não há qualquer menção de que São Miguel disputasse o corpo de Moisés com a intenção de ressuscitá-lo, e não há qualquer precedente nas Escrituras em que um anjo tivesse o poder de ressuscitar pessoas.

Evidência 4: Cristo prega aos espíritos encarcerados

“Pois também Cristo, para nos levar a Deus, morreu uma só vez pelos pecados, o justo pelos injustos, morto na carne, vivificado no espírito. No espírito, Ele também foi pregar aos espíritos encarcerados, que em outro tempo foram incrédulos, enquanto esperavam a paciência de Deus, nos dias em que Noé construía a Arca, na qual poucos, isto é, oito pessoas, foram salvos através da água.” (1 Pedro 3,18-20)

Este texto faz alusão à descida de Cristo aos infernos (o Sheol para os hebreus) após sua morte na cruz, onde prega a todos aqueles justos que estavam retidos, esperando que Cristo, com sua morte e ressurreição, abrisse o caminho para entrarem no Céu (Hebreus 2,10; 9,8.15; 10,19-20; 1 Pedro 3,19). Não é necessário dizer que, neste evento, encontramos outra prova palpável da imortalidade da alma, dado que a pregação de Cristo é dirigida aos falecidos.

Alguns protestantes veem neste evento um simples ato de presença diante dos demônios ou um ato condenatório. No entanto, o sentido do verbo grego κηρύσσειν (pregar) é indicado pelo contexto geral, que trata da misericórdia de Deus e dos efeitos da redenção. A pregação teve que ser, portanto, o anúncio de uma boa nova, o que estaria em harmonia com as palavras de Pedro quase imediatamente depois:

“Por isso, até aos mortos foi anunciada a Boa Nova, para que, condenados na carne segundo os homens, vivam em espírito segundo Deus.” (1 Pedro 4,6)

A hipótese de uma pregação condenatória estaria em contradição com o espírito da passagem. Além disso, é importante destacar que o verbo κηρύσσειv, no Novo Testamento, é sempre usado para designar a pregação de uma boa nova.

Também não há espaço para a suposição de que se tratavam de demônios, pois se faz referência a pessoas incrédulas que viveram nos tempos de Noé. É necessário notar, contudo, que embora o Apóstolo destaque especialmente os contemporâneos de Noé, isso não significa que ele exclua o restante dos justos, mas sim que ressalta a eficácia redentora de Cristo, que alcançou até mesmo aqueles que em outro tempo foram considerados grandes pecadores e provocaram o maior castigo de Deus sobre o mundo. Seriam aqueles que, nos tempos de Noé, haviam sido incrédulos às suas exortações ao arrependimento, mas que, ao desencadear-se o dilúvio, se arrependeram e, antes de morrer, pediram misericórdia a Deus.

Evidência 5: A Bíblia mostra os salvos na presença de Deus

No capítulo 11 de Hebreus, são mencionados todos os patriarcas e santos da antiguidade como testemunhas em torno de nós.

“Portanto, também nós, tendo em torno de nós tão grande nuvem de testemunhas, deixemos de lado todo peso e o pecado que nos envolve, e corramos com perseverança a corrida que nos é proposta.” (Hebreus 12,1)

O autor da epístola aos Hebreus utiliza aqui uma metáfora tirada dos jogos públicos, dos quais a sociedade greco-romana era aficionada. Ele imagina que, assim como nesses jogos há toda uma nuvem de testemunhas observando, da mesma forma, nós, cristãos, estamos rodeados por toda uma “nuvem de testemunhas” contemplando nosso esforço. Essas testemunhas, por certo, são os antepassados que ele acabou de mencionar, e que estão na cidade do Deus vivo, na assembleia dos primogênitos inscritos no Reino dos Céus, por serem os espíritos dos justos que alcançaram a sua consumação.

“Vós, ao contrário, vos aproximastes do monte Sião, da cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial, e de miríades de anjos, reunião solene e assembleia dos primogênitos inscritos nos céus, e de Deus, juiz universal, e dos espíritos dos justos que já chegaram à perfeição.” (Hebreus 12,22-23)

Aqui se fala dos espíritos dos justos. Esses justos ainda não ressuscitaram, o que fica claro, em primeiro lugar, porque são chamados de espíritos, e em segundo lugar, porque a ressurreição acontecerá no último dia (João 6,39).

Outro texto onde se vê claramente as almas dos justos conscientes e na presença de Deus antes da ressurreição está no Apocalipse:

“Quando abriu o quinto selo, vi debaixo do altar as almas dos que foram degolados por causa da Palavra de Deus e do testemunho que mantiveram. Eles clamaram em alta voz: ‘Até quando, ó Soberano santo e verdadeiro, tardarás em fazer justiça, vingando o nosso sangue dos habitantes da terra?’” (Apocalipse 6,9-11)

Quando Estêvão (o primeiro mártir cristão) é martirizado, antes de morrer, ele vê o céu se abrir para receber o seu espírito:

“Mas ele, cheio do Espírito Santo, olhou fixamente para o céu e viu a glória de Deus e Jesus, que estava à direita de Deus; e disse: ‘Estou vendo os céus abertos e o Filho do homem, que está em pé à direita de Deus.’ Então, gritando em alta voz, taparam os ouvidos e, de comum acordo, arremeteram contra ele; lançaram-no fora da cidade e começaram a apedrejá-lo. As testemunhas depuseram suas vestes aos pés de um jovem chamado Saulo. Enquanto o apedrejavam, Estêvão fazia esta invocação: ‘Senhor Jesus, recebe o meu espírito.’ Depois, ajoelhou-se e clamou em alta voz: ‘Senhor, não lhes imputes este pecado.’ E, ao dizer isso, adormeceu.” (Hechos 7,55-60)

Notas de rodapé

  1. Despertai 1982 (g82 22/10 25-27)
  2. Jn epist. Judae: PG 119,713
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