A grande “apostasia” da Igreja

Um ponto em comum

Eu quis começar com este assunto, porque todas as denominações protestantes que se separaram e mantêm-se afastadas da Igreja Católica justificam sua existência assim. Este é, portanto, para mim, “o cerne da questão”, “o quid da questão” ou, como dizia o famoso G. K. Chesterton, “a coisa” 1. E é que, embora haja diferenças notáveis entre essas denominações, todas, sem exceção, adotaram a hipótese de que a Igreja foi se corrompendo paulatinamente, quando tradições humanas e ensinamentos falsos foram infiltrando-se na Igreja cristã, a ponto de deslocar as verdades de fé contidas na Escritura.

É nesta situação que Deus “decide” renovar a Igreja, refundando-a em uma nova “Igreja”, “grupo” ou “organização” que é capaz de se manter fiel à verdade, e cada um está convencido de pertencer a esse grupo. Alguns dos nomes que eles dão a si mesmos são muito sugestivos: “A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias” 2, “A verdadeira Igreja de Jesus Cristo” 3; outros não tanto: luteranos, metodistas, presbiterianos, pentecostais, adventistas, testemunhas de Jeová, etc.; mas o fato é que todos, sem exceção, acreditam ser uma reforma e renovação do cristianismo autêntico, e a nova e verdadeira Igreja de Jesus Cristo.

Eles não acreditam ser cismáticos ou apóstatas porque seu fundador saiu da Igreja Católica ou de algum outro grupo que saiu dela, mas “reformadores”. Se saíram da Igreja é porque acreditam que ela foi “corrompida”, e se saíram de outra denominação cristã é porque acreditam que essa também foi “corrompida” 4. Neste contexto, onde é necessário refundar constantemente a Igreja, surge um ciclo vicioso onde o cisma aparece de maneira contínua, e degenera nas múltiplas divisões que observamos nas denominações protestantes da atualidade.

Se considerarmos que a Igreja Católica manteve sua integridade, como a instituição fundada por Jesus Cristo, com uma legítima sucessão que remonta diretamente aos Apóstolos, não há uma desculpa válida para se afastar dela. Por exemplo, um luterano não poderia afirmar que sua Igreja foi fundada por Jesus Cristo, porque o próprio nome de sua denominação lhe lembra que foi fundada por um homem, Martinho Lutero, no século XVI. O mesmo se aplica a qualquer outra, embora não se identifique com o nome de seu fundador. Se estudarmos a história dos presbiterianos, reformados e calvinistas, encontramos sua origem em João Calvino (século XVI); se investigarmos os metodistas, encontramos como fundador João Wesley (século XVIII); os adventistas foram fundados por William Miller e Ellen White (século XIX); por trás dos mórmons está José Smith (século XIX); os testemunhas de Jeová foram fundados por Charles Russell (século XIX); etc 5.

Esta é a razão pela qual esses grupos acusam, em maior ou menor medida, a Igreja Católica de corrupção (alguns mais, outros menos), para justificar sua existência diante do mundo e sua própria consciência, apresentando uma desculpa para sua própria separação. Não se duvida em nenhum momento de que a grande maioria possa estar honestamente convencida disso, mas se discute a validade ou veracidade desse modo de pensar. É também a razão pela qual escrevi este livro, para analisar cada uma das objecções mais importantes ou mais comuns que cada um desses grupos faz, e os leitores possam refletir, à luz dessa evidência, se essas reclamações são fundamentadas ou não.

O início da “apostasía”

Também é chamativo que, embora todas essas denominações estejam de acordo em que ocorreu uma apostasia, não concordem exatamente em quando ela começou.  Enquanto muitos localizam o início da apostasia no Edicto de Milão 6 concedido por Constantino o Grande em 313 d.C., outros apontam datas ainda mais remotas, chegando até mesmo a localizar seu início com a morte do último Apóstolo.

Também há diferenças no que eles consideram “apostasia”. Para os adventistas, por exemplo, a apostasia começa quando a Igreja deixa de guardar o sábado como dia do Senhor e o substitui pelo domingo. Para os testemunhas de Jeová, ela começa ao abraçar doutrinas como a divindade de Cristo e a Trindade. Para os protestantes mais tradicionais, o argumento geralmente é que a Igreja esqueceu que a salvação é “somente pela fé” e adotou a heresia pelagiana 7. E assim para cada denominação há “algo” que a distingue substancialmente das outras e é a razão pela qual eles – e não os outros – são a Igreja “verdadeira”. Eles também encontram uma desculpa nas típicas menções à inquisição, às cruzadas e à vida corrupta de alguns membros do clero católico.

Mas, embora esta hipótese possa ser facilmente digerida por pessoas embriagadas de preconceitos e sentimentos anticatólicos, o importante aqui é estudar se essa hipótese se adequa à realidade.

Uma hipótese em conflito com a Escritura

As portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja, que é coluna e fundamento da verdade

Muito do que sabemos sobre Jesus sabemos através do testemunho da Escritura, e é precisamente por ela que vemos Jesus profetizando uma e outra vez acontecimentos que iriam ocorrer. No entanto, não se pode encontrar nenhum texto na Escritura que, analisado seriamente, permita inferir que Jesus ou os Apóstolos pensaram que a Igreja se corromperia ao ponto de deslizar para uma grande apostasia que duraria milênios. Ao contrário, todas as evidências bíblicas apontam no sentido contrário, como veremos a seguir.

“E eu, por sua vez, digo-te que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Hades não prevalecerão contra ela.” (Mateus 16,18)

No passo anterior, Jesus promete que as forças do inferno não prevalecerão contra sua Igreja. Um protestante pode concordar com isso, pensando que finalmente as portas do Hades não prevaleceram porque o fundador de sua “Igreja” a reformou e renovou, mas não faz muito sentido interpretar essas palavras dessa maneira, pois isso significaria que o mal prevaleceria na Igreja por mais de 16 séculos (no caso das seitas mais recentes como testemunhas de Jeová, adventistas e mórmons, por mais de 18 ou 19 séculos), deixando milhões de almas abandonadas. Como poderia acontecer isso com a Igreja que a própria Bíblia chama de “coluna e fundamento da verdade”?

“mas, se eu demorar, para que saibas como se deve comportar-se na casa de Deus, que é a Igreja do Deus vivo, coluna e fundamento da verdade.” (1 Timóteo 3,15)

Não é convincente pensar que Cristo, que prometeu estar com sua Igreja “todos os dias até o fim do mundo” (Mateus 28.20), permitiu que a apostasia prevalecesse durante todos esses séculos em prejuízo de todas as pessoas que viveram durante esse período. Isso implica acreditar que Jesus e seus Apóstolos eram uma espécie de incompetentes que fundaram uma Igreja que se apressou em corromper-se no momento de sua partida. Na Escritura, no entanto, encontramos algo diferente. É Jesus mesmo quem ora para que a fé de Pedro, a quem entrega as chaves do Reino dos céus, não desfalecer:

“Simão, Simão, olha que Satanás pediu para vos cernir como trigo, mas eu orei por ti, para que a tua fé não falhe. E tu, quando te converter, confirma teus irmãos.” (Lucas 22,31-32)

É a Igreja a quem Jesus promete que enviará o Espírito Santo para guiá-los à verdade completa:

“Quando ele vier, o Espírito da verdade, ele vai guiá-los até a verdade completa; pois não falará por conta própria, mas falará o que ouvir e vai anunciar o que há de vir.” (João 16,13)

Seria inadequado pensar que a orientação do Espírito Santo se limitasse apenas à época dos Apóstolos, e não é sensato acreditar que o Espírito Santo não poderia cumprir sua missão por mais de 1600 anos até a vinda de um Martinho Lutero ou um João Calvino, sem mencionar líderes de seitas mais recentes como Charles Russell, Ellen White ou José Smith.

Se isso fosse verdade, em vão Jesus mandou à Igreja batizar todas as nações e ensinar-lhes a guardar tudo o que Ele lhes ensinou, pois Ele saberia que eles acabariam pregando uma doutrina falsa.

“Então, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a guardar tudo o que eu ordenei. E eis que eu estou com vocês todos os dias até o fim do mundo.” (Mateus 28,19-20)

É a Igreja Católica, e não outra, que levou o Evangelho ao mundo todo. As denominações protestantes, ao contrário, não têm registros de existência nos primeiros 16 séculos da história cristã, o que destaca uma diferença fundamental em relação à Igreja Católica.

Na Bíblia fica atestado o firme propósito dos Apóstolos de que a ensinança da Igreja se mantivesse incorrupta de geração em geração, para o qual ordenaram adestrar homens fiéis para que fossem capazes de instruir outros:

“Portanto, meu filho, mantenha-se firme na graça de Cristo Jesus; e o que você ouviu de mim na presença de muitos testemunhos, confie a homens fiéis, que sejam capazes, por sua vez, de instruir outros.” (2 Timóteo 2,1-2)

Maus cristãos dentro da Igreja – O trigo e a joça

Muitos protestantes que defendem a hipótese da grande apostasia costumam citar a parábola do trigo e da joça em seu favor, pois lá é anunciado que haveria cristãos falsos dentro da Igreja:

“Ele lhes propôs outra parábola, dizendo: O Reino dos Céus é semelhante a um homem que plantou boa semente em seu campo. Mas enquanto o povo dele dormia, seu inimigo veio e plantou joça entre o trigo e foi embora. Quando a erva brotou e produziu fruto, então apareceu também a joça. Os servos do dono se aproximaram dele para dizer: Senhor, você não plantou boa semente em seu campo? Como é que tem joça? Ele lhes respondeu: Algum inimigo fez isso. Dizem-lhe os servos: Você quer, então, que vamos colhê-la? Ele lhes diz: Não, para que, ao colher a joça, não arrancarem também o trigo. Deixem ambos crescerem juntos até a colheita. E no tempo da colheita, direi aos ceifadores: Colem primeiro a joça e amarrem-na em feixes para queimar, e o trigo colem-no em meu celeiro.” (Mateus 13,24-30)

A existência de cristãos falsos dentro da Igreja não implica que ela apostataria e sua doutrina se corromperia. Esse é precisamente um dos textos que permite mostrar aos protestantes seu erro, especialmente se lermos a explicação da parábola pelo próprio Jesus:

“Então ele mandou embora a multidão e foi para casa. E os discípulos dele se aproximaram, dizendo: “Explica-nos a parábola da joça do campo.” Ele respondeu: “O que semeia a boa semente é o Filho do homem; o campo é o mundo; a boa semente são os filhos do Reino; a joça são os filhos do Maligno; o inimigo que a semeou é o Demônio; a colheita é o fim do mundo, e os ceifadores são os anjos. Da mesma maneira, então, que se colhe a joça e a queima no fogo, assim será no fim do mundo. O Filho do homem enviará seus anjos, que colherão de seu Reino todas as pedras de tropeço e os que praticam a iniquidade, e os lançarão no forno de fogo; lá será o choro e o ranger de dentes. Então os justos brilharão como o sol no Reino de seu Pai. Quem tem ouvidos, ouça.” (Mateus 13,26-43)

Observe-se, em primeiro lugar, que Jesus estabelece como um fato que o trigo e a joça sempre estarão misturados na Igreja. Sempre haverá cristãos melhores e piores.

Em segundo lugar, isso não é uma desculpa para sair da Igreja e tentar fundar uma nova, pois quando um dos servos pergunta se deve colher a joça, o Senhor responde que deixe-as crescer juntas, para que, ao arrancar a joça, não arrancarem também o trigo. Alguém que pode ser “joça” hoje pode se converter e se tornar “trigo” amanhã. Será no julgamento que Jesus separará um do outro. As próprias comunidades protestantes que se dividem pensando em fundar uma Igreja sem pecadores, acabam descobrindo que há pecadores também dentro deles, porque todos somos.

O que distingue os cristãos falsos

Um estudo aprofundado das Escrituras revela que os cristãos falsos são frequentemente identificados como aqueles que, adotando uma postura cismática, se afastam da Igreja para estabelecer seus próprios grupos:

“Filhos meus, é a última hora. Vocês ouviram que um Anticristo viria; bem, muitos anticristos surgiram, e assim percebemos que é a última hora. Eles saíram entre nós, mas não eram de nós. Se tivessem sido de nós, teriam ficado conosco. Mas isso aconteceu para que fosse revelado que não todos são de nós.” (1 João 2,18-19)

O apóstolo chega ao ponto de chamar aqueles que abandonaram a Igreja de “anticristos”. É curioso que seitas como as Testemunhas de Jeová, adventistas e mórmons apliquem esses textos àqueles que os abandonam, esquecendo justamente que suas respectivas denominações foram fundadas por homens que, por sua vez, abandonaram suas antigas denominações; cumprindo assim o ditado ‘o sujo falando do mal lavado’. Eles foram cismáticos ao abandonar a Igreja fundada por Cristo, e depois têm a ousadia de acusar de cismáticos aqueles que os abandonam.

Há algum tempo, um pastor protestante me disse que as divisões da Igreja eram benéficas porque permitiam a pluralidade e a liberdade de opiniões, mas nas Escrituras, pelo contrário, aqueles que dividem a Igreja são identificados com aqueles que carecem do Espírito Santo:

“Mas vocês, queridos, lembrem-se das profecias dos apóstolos de nosso Senhor Jesus Cristo. Eles lhes diziam: ‘No fim dos tempos surgirão homens irônicos que viverão segundo as próprias paixões impias’. Esses são os que criam divisões, vivem uma vida apenas natural, sem ter o espírito.” (Jude 1,17-19)

As divisões são chamadas pelo apóstolo de “obra da carne” no mesmo nível que orgias, idolatria, fornicação, etc.

“Agora, as obras da carne são conhecidas: fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçaria, ódio, discórdia, ciúmes, raiva, rixas, divisões, dissensões, inveja, embriaguez, orgias e coisas semelhantes, sobre as quais vos adverto, como já vos advertei, que os que praticam essas coisas não herdarão o Reino de Deus.” (Galatianos 5,19-21)

A ordem dada aos cristãos era, pelo contrário, manter a unidade doutrinária: um só Senhor, um só batismo e uma só fé:

“Eu os imploro, irmãos, que os afaste de aqueles que causam divisões e escândalos contra a doutrina que vocês aprenderam; afastem-se deles.” (Romanos 16,17)

“Eu vos conjuro, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que tenham todos um mesmo falar e não haja entre vocês divisões; mas estejam unidos em uma mesma mentalidade e um mesmo julgamento.” (1 Coríntios 1,10)

Seguindo a lógica de que uma árvore é conhecida por seus frutos, a fragmentação extrema no protestantismo levanta questões sobre sua representatividade como a verdadeira Igreja de Cristo. Infelizmente, o que já havia sido profetizado é cumprido em sua divisão:

“Porque virá um tempo em que os homens não suportarão a doutrina sadia, mas, arrastados por suas próprias paixões, se reunirão com um monte de mestres pelo desejo de ouvir novidades; afastarão os ouvidos da verdade e se voltarão para as fábulas.” (2 Timóteo 4,3-4)

Mais adiante, profundizaremos com mais detalhes sobre as diferenças doutrinárias entre as diversas denominações protestantes, mas é um fato que a verdade é única. Se entre elas não se ensina a mesma doutrina, deduz-se que todas não podem ter razão, por isso a grande maioria estará ensinando erros misturados com meias verdades, e acusando as outras de estar no erro. Não se pode deixar de apreciar a coincidência assombrosa desta profecia com o sistema protestante (embora não exclusivamente com ele) onde diferentes mestres agrupam pessoas ensinando-lhes doutrinas de acordo com o seu próprio entendimento da Bíblia.

Uma hipótese em conflito com a história

A hipótese da grande apostasia também não encontra sustento na história. Quem se anima a estudar os escritos dos primeiros cristãos, encontra que professavam essencialmente a mesma fé que professamos os católicos hoje. Quem sustenta que a corrupção veio com o imperador Constantino descobre que não há mudanças substanciais entre o que os cristãos acreditavam antes e depois de seu reinado. Para provar isso, cada um dos temas deste livro será abordado sob o ponto de vista bíblico e patrístico. Aqui encontrará dezenas de testemunhos cristãos primitivos anteriores a Constantino que o demonstrarão. Este descobrimento foi feito e continua sendo feito por muitos protestantes que buscaram incansavelmente a verdade e acabaram por abraçar a comunhão plena com a Igreja Católica. São tantos testemunhos que é impossível mencioná-los todos, mas quero recomendar dois testemunhos notáveis: o de John Henry Newman8 e o de Gilbert Keith Chesterton9.

A razão de outras seitas terem preferido estabelecer o início da apostasia em datas tão precoces quanto a morte do último apóstolo é que eles não conseguiram encontrar, em um período de mais de 1600 anos, um grupo de cristãos cujas doutrinas eles possam plenamente se identificar. Se isso fosse possível, eles poderiam afirmar que havia verdadeiros cristãos em tal ou qual época e que esses eram, mas eles não conseguem se identificar nem mesmo com os grupos heréticos do primeiro milênio porque também não acreditam nas mesmas coisas. Não lhes resta, portanto, outra opção senão colocar o rótulo de hereges e apóstatas em todos; como se antes deles não tivessem existido verdadeiros cristãos. Não é sinal de humildade nem de sabedoria acreditar que somos mais santos, inteligentes, sábios e inspirados do que os milhões de cristãos que viveram antes de nós. Aqui está presente não apenas o pecado da soberba, que se manifesta ao desprezar seus antecessores na fé, mas também uma noção inadequada do conceito de Igreja.

Assim, se uma dessas pessoas encontrar alguns textos patrísticos primitivos e perceber que esses cristãos acreditavam em doutrinas católicas que eles rejeitam hoje em dia, elas estarão condicionadas a pensar que já eram apóstatas ou hereges naquele momento. Estarão predispostas a considerar mais confiável a interpretação das Escrituras pelo fundador de sua denominação, nascido milhares de anos depois de Cristo, e que, sem ter conhecido nem Ele nem seus apóstolos, começou a interpretar a Bíblia à sua maneira.

Outros preferem pensar que havia “verdadeiros” cristãos que pensavam como eles, mas que, por serem perseguidos pela Igreja oficial, deixaram pouca ou nenhuma notícia e ficaram escondidos. Mas essa hipótese também tem um problema fundamental, pois equivale a confessar que até os que eles próprios consideram hereges, dos quais temos abundantes notícias ao longo da história, eram mais corajosos para defender sua fé e seus princípios do que esses cristãos anônimos e invisíveis. Jesus comparou os verdadeiros cristãos com “a luz do mundo” e disse a respeito deles: “não pode ser escondida uma cidade situada no topo de uma montanha” (Mateus 5,14). No Evangelho encontramos numerosos exemplos da coragem dos apóstolos que nunca pararam de pregar, apesar de serem perseguidos e presos. Não parece lógico o argumento de que os verdadeiros cristãos permaneceram escondidos do mundo e não deixaram registro de si. O fato é que não podemos encontrar, em 1600 anos de história, alguém interpretando a Bíblia da mesma maneira como o fez Lutero, Calvino, Zwinglio, ou como o faz hoje um batista ou um pentecostal.

Como católico, reconheço sinceramente a existência de muitos cristãos devotos dentro das denominações protestantes, que buscam servir a Deus com verdadeira fé. Reconheço-os fraternalmente como irmãos no Senhor e cristãos, mas são vítimas de um sistema que os enganou e os usa para captar mais prosélitos que espalham os mesmos erros em um ciclo vicioso. Como disse o arcebispo Fulton Shenn, a maioria não odeia a Igreja Católica, mas sim o que eles erroneamente pensam ser a Igreja Católica. Também reconhecemos que no protestantismo, ainda dividido em muitas comunidades eclesiais e seitas, há coisas muito boas, mas tudo o que é bom e santo que se pode encontrar neles pertenceu e pertence ao patrimônio da Igreja Católica, começando pela própria Bíblia.

Artigo originalmente escrito em espanhol por José Miguel Arráiz para ApologeticaCatolica.org.

Notas de rodapé

  1. Gilbert Keith Chesterton,  A Coisa: Por que sou católico.
  2. Comumente conhecidos como mórmons. O nome de sua Igreja reflete sua convicção de que nosso Senhor, após a corrupção precoce da Igreja, fundou uma nova apenas para “os últimos dias”.
  3. Igreja pentecostal conhecida em inglês como True Jesus Church, ou TJC.
  4. Não pretendo aqui julgar o foro interno de cada uma das pessoas que se unem a esses grupos, e nem mesmo o de seus fundadores cismáticos. Concedo como perfeitamente possível (e é o mais provável em muitos casos) que eles estejam sinceramente convencidos de que a Igreja se tornou corrupta e apóstata e que é seu dever moral tirar pessoas dela. O que se julga aqui é a validade dessa hipótese e se ela se ajusta ou não à verdade.
  5. Refiro-me, é claro, aqui às denominações protestantes surgidas na Reforma Protestante, não às igrejas ortodoxas, que, embora em cisma e em comunhão imperfeita com a Igreja, mantêm a sucessão apostólica e os sacramentos válidos.
  6. Devemos reconhecer que mesmo dentro do protestantismo há vozes que questionam esta hipótese. Em 2004, o pastor Rick Wade, formado com honras em 1990 na Trinity Evangelical Divinity School com um M.A. em Pensamento Cristão (teologia/filosofia), escreveu um artigo onde afirmava:

    “Ocasionalmente, encontramos referências à ideia de “queda” da igreja após a conversão do imperador Constantino no século IV. Alguns acreditam que sob Constantino a igreja começou a deslizar para uma religião de estado, tendo sido corrompida pelo poder e pelo dinheiro. Os interesses da igreja e do estado se sobrepuseram, resultando em corrupção da igreja. Isso lançou uma sombra sobre toda a história da igreja até a Reforma. A tradição é vista como um elemento da igreja corrompida e institucionalizada.

    Embora seja verdade que a nova liberdade que a igreja experimentou sob Constantino teve seu lado negativo, isso não implica que a igreja “caíu”, como alguns dizem. Ao longo da história, a igreja cometeu erros em suas relações com a sociedade secular e em saber lidar adequadamente com a liberdade e o poder que experimentou. Alguns se queixam hoje de que os cristãos estão muito ligados a partidos políticos, diminuindo a transigência ao fazê-lo. Isso não difere em nada do que ocorria na época de Constantino. Que a igreja adquiriu uma nova cor quando estabelecida sob Constantino, ninguém questiona. Mas a ideia de que a igreja rapidamente se tornou corrupta e que os concílios convocados sob seu reinado eram simples marionetes do imperador é simplista. A igreja continuou sendo fiel à tarefa de esclarecer e transmitir a tradição apostólica. “A fé confessada e praticada nas igrejas primitivas não foi determinada por maquinações políticas de imperadores e hierarquias episcopais”, diz Williams. “A formulação e construção essencial da identidade cristã foi algo que o quarto século recebeu e continuou ampliando através da exegese bíblica e da vida litúrgica, como refletido na tradição dos credos”

    Rick Wade, As escrituras e a tradição na igreja primitiva, Probe Ministries (Ministérios Probe) 2004.”

  7. O pelagianismo é uma antiga heresia que sustentava a capacidade natural do homem para alcançar a salvação; bastava para isso o uso da razão e da liberdade sem a intervenção sobrenatural de Deus; negava, ao mesmo tempo, a substância e as consequências do pecado original, além da absoluta necessidade da graça para realizar obras sobrenaturais.
  8. Foi um presbítero anglicano que, após sua conversão, tornou-se cardeal da Igreja Católica. Ainda como anglicano, ele começa a escrever um Ensaio sobre o Desenvolvimento da Doutrina Cristã, no qual descobre que a Igreja Católica é a verdadeira Igreja e acaba por se converter. Sua famosa obra: Apología Pro Vita Sua, História de minhas ideias religiosas, onde ele mesmo narra sua jornada de conversão, tem ajudado milhares de pessoas a seguir o mesmo caminho.
  9. Escritor famoso que passou do agnosticismo para o anglicanismo e do anglicanismo para o catolicismo. Suas obras têm levado inúmeros agnósticos, ateu e protestantes à conversão. Recomendo principalmente duas delas: O Homem Eterno e A Coisa e outros artigos de fé.
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